In http://thumbs.dreamstime.com/thumblarge_417/1247217224AQkQ5q.jpg
Não
somos mais bárbaros quando espreitamos as imagens da barbárie que condenamos –
da barbárie que julgamos indigna, mas que gostamos de ver como é?
Um
amigo disse-me que foram necessárias as imagens que as televisões passaram com
a execução sumária do ditador da Líbia. Argumentou que personagem tão
sanguinária não merecia outro destino, como se desse modo fossem vingadas as incalculáveis
vítimas de que foi algoz. Não pôs em causa o ato animalesco em que os captores
liquidaram a sangue frio o tresloucado ditador. É a pulsão da vingança, disparou, entre dentes. E eu perguntei: e nós, nós somos espetadores dessa barbárie
quando somos contra a barbárie, ou não tivéssemos a sobranceria de nos
julgarmos a vanguarda da civilização? Ao que ele respondeu: os malfeitores da humanidade merecem um
lugar à exceção. Merecem tratamento parecido (mas só parecido, porque a
contabilidade das atrocidades jamais pode ser reposta pela vingança pessoal) ao
que dedicaram às vítimas.
A
conversa terminou em desacordo. Como pode alguém, deste lado de onde se respira
tanta civilização, defender o que está nos ant ípodas do código genético da autoproclamada civilização? É
superior à minha compreensão como podem as televisões (fossem elas os lugares
onde houvesse lugar a pedagogia do espetador) passar imagens obscenas da turba
de captores em exibição do tirano na sua aflição fatal, adivinhando os últimos
minutos de vida. Ou talvez entenda: porventura somos voyeurs de desgraças. E, atendendo às descrições nos jornais, a
populaça mal instruída pelos jornalistas tenha lambuzado os beiços ao ver o
ditador a ser agredido, o ditador ensanguentado a ser baleado e a cair no
derradeiro estertor.
Estava
a ver o noticiário quando fui avisado pelo apresentador da passagem das imagens
“eventualmente chocantes” da captura e morte do déspota. “Eventualmente”
chocantes – como pode aparecer ali aquele advérbio? À falta de pudor de quem
cozinhou o alinhamento das notícias, fiz a higiénica censura pessoal e
desliguei a televisão antes que aparecessem as imagens. Nos minutos a seguir,
mergulhado no silêncio da noite e da casa em solidão, pareceu-me, afinal, que
há censura má e censura boa.
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