27.10.11

Propedêutico


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Dizia-lhe: “a penumbra do tempo anuncia um porvir qualquer. Deves estar preparado para o amanhã que vier ao teu encontro.” Com o olhar perdido no firmamento, parecia que as palavras entoadas se tinham perdido entre as almofadas da desatenção. Mas o firmamento era o lugar onde projetava as incertezas dos porvires que estivessem por entrar na sua janela. Jogava as oportunidades umas contra as outras e golpeava os arrependimentos, os fartos arrependimentos, que eram imparáveis tirocínios.
Depois dos minutos necessários para decantar aquelas palavras, atirou-lhe: “mas como sei as preparações que se impõem se nem sei as cores com que vão chegar os amanhãs?” Outro compasso de silêncio emproou-se entre o odor a maresia e o ruído de fundo da cidade em exercício quotidiano.
Olhavam para lados diferentes do mar imenso que atapetava o cenário diante dos seus olhos. Havia gente a passar, ora apressada, ora na contemplação da paisagem retemperadora. “O cruzamento de todas aquelas existências daria quantas peças de teatro?”, verteu a interrogação em silêncio antes de contrapor a pergunta que adejava sobre a conversa: “só sabes que o porvir é uma incerteza aberta. Essa é a tua única certeza. Deixa uma portinhola sempre aberta para deitares o dorso sobre as pontiagudas pedras que o porvir te preparar. Aprende este método: a propedêutica dos cenários cheios de sombras e melífluas personagens é a precaução exigível. Depois não dirás que tropeçaste em ciladas.
Desta vez o destinatário não sopesou as palavras que embrulhavam o conselho. Tirou a esquadria às suas próprias conclusões, imediatas conclusões: “devo estar com os dois pés atrás. Precatar-me é a cura antes de tempo. Agora que me abres os olhos, percebi que neste lugar há querubins que, despidos da fraudulenta auréola, são diabretes.
Despediram-se com um abraço que soou a frieza. Sentindo a frieza do abraço, tirou as medidas a outra interrogação, uma silenciosa interrogação que não deu a conhecer de viva voz: “ensinas-me a propedêutica da desconfiança. E por que hei de confiar em ti?

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