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Ao almoço, enquanto espero pelo repasto,
entra pelos olhos um daquelas programas de entretenimento que são o anticlímax
do aperitivo para o prândio. Já não chegasse o género, e não podendo mudar de
lugar pois não conseguia dar as costas à televisão, piora o cenário com a
entrada em cena de um “especialista em crime”, um reciclado do jornalismo que
dispara a eito sobre os criminosos que, na sua douta opinião, deviam merecer o
pior varapau da justiça.
O som da televisão está – ó azar –
audível. Acompanho o raciocínio do justiceiro. O povo que faz as vezes de
audiência, talvez uma amostra da populaça, aplaude de cada vez que o justiceiro
se sobressalta e remata a frase com uma assertiva certeza acerca da falaz
justiça dos tribunais. Acena com a cabeça quando o justiceiro verbera a fraca
justiça. Pelo meio, o justiceiro escorrega para insinuações que deixam à mostra
rudimentos de uma teoria da conspiração: ele são os lobbies obscuros que mantêm a justiça sequestrada, talvez porque os
juízes não são imparciais e até militam, em segredo, nessas câmaras escuras de
obscuros interesses. O género trauliteiro tem seguidores e faz escola. Um dos expoentes
foi há dias eleito para o Parlamento Europeu. O populismo barato vinga no seu
rasteiro esplendor.
Continuo a seguir o raciocínio do
justiceiro e vou tecendo pontes com a retórica justiceira do novato
eurodeputado. O raciocínio é ardiloso. A lógica argumentativa é canhestra, mas
insidiosamente canhestra para que o povo, apesar dos parcos recursos hermenêuticos,
não sentir que as poses sedutoras não passam de cavalgaduras manipuladoras. O género
do justiceiro descontente com o estado a que chegamos, dos que puxam lustro aos
“valores” que já não há (uma tremenda perda para a civilização, agora
destronada pelo reino da incivilidade), é um apelo às emoções. De lágrima fácil
quando um facínora se transforma em hábil vendedor de castelos no ar, o povoléu
nem dá conta de que como é enganado (ou dá conta, mas gosta de ser ludibriado).
E subscreve: oxalá os mandantes fossem da têmpera dos justiceiros e os males
quase todos estavam a caminho da extinção.
Um dia destes, o Marinho é presidente e
o Hernâni chega a ministro. Não há melhor retrato da democracia como representação
da vontade popular: mandantes à imagem do povo.
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