Linda Martini, "Juventude sónica", in https://www.youtube.com/watch?v=2AjSAzjv1Vg
Mandemos tudo às urtigas. Recuamos no
tempo – ou, ao menos, façamo-lo ecoar como se ele fosse repristinável. Corremos
como loucos pelas ruas. Não importa que estejam habitadas por uma multidão, que
a coragem é menor se elas estiverem ausentes de gente. Mergulhamos na fonte no
meio da praça, caso esteja calor e os corpos peçam água. Embriagamo-nos no
vinho que desce célere pelo copo. Insultamos os notáveis que se cruzarem
connosco e depois fugimos da polícia. Colamos papéis subversivos à porta dos
sindicatos. Passamos uma rasteira aos financeiros engravatados que vão a
caminho do almoço, elucubrando sobre os mercados como se só houvesse juros e
rendimentos. Afocinhamos numa festa frívola, onde está quase toda a “gente
bonita” e nós, propositadamente desleixados só para destoar, mantemos um
animado diálogo sobre o métier que
inventámos pela ocasião (lixeiros). Não deixamos o pregador de religião fazer a
sua função, proclamando um discurso inane em cima do dele. Sentamo-nos numa
esplanada bem frequentada e discorremos sobre a filosofia estruturalista, sem
perder de vista Nietzsche que bem avisou que o suicídio é a consolação da
existência (e notamos que quase ninguém percebe esta lição). Apanhamos um táxi,
desfazemos as teorias boçais do condutor e, no fim da corrida, pagamos com
moedas de um cêntimo. Vamos a uma vernissage
tomar o jantar, convivendo no jantar volante com a “nata” da sociedade local
que nos olha com desdém (e antes de sermos descobertos, que não daríamos esse
prazer aos mastins de serviço, fomos de abalada). E voltamos a correr pelas
ruas, como se estivéssemos a fugir do pânico, os rostos na posse de um sorriso
rasgado a mostrarem como se adestra a alegria (e a ensinarem a fugir do pânico).
Ao fim da noite, os corpos já extenuados de tanta folia, repousamos com o mar
por diante. Consolados: pois não fomos assaltados por interrogações, nem
partimos em demanda de respostas, nem ficamos reféns de vontades que não as
nossas, nem procuramos entoar palavras que medram aleivosias alheias. O arremedo
de meninice não pretendeu retardar o envelhecimento inato. Foi um devaneio
momentâneo. Um recuo, para tomar lanço para a aventura do futuro.
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