2.6.14

Parecemos putos


Linda Martini, "Juventude sónica", in https://www.youtube.com/watch?v=2AjSAzjv1Vg
Mandemos tudo às urtigas. Recuamos no tempo – ou, ao menos, façamo-lo ecoar como se ele fosse repristinável. Corremos como loucos pelas ruas. Não importa que estejam habitadas por uma multidão, que a coragem é menor se elas estiverem ausentes de gente. Mergulhamos na fonte no meio da praça, caso esteja calor e os corpos peçam água. Embriagamo-nos no vinho que desce célere pelo copo. Insultamos os notáveis que se cruzarem connosco e depois fugimos da polícia. Colamos papéis subversivos à porta dos sindicatos. Passamos uma rasteira aos financeiros engravatados que vão a caminho do almoço, elucubrando sobre os mercados como se só houvesse juros e rendimentos. Afocinhamos numa festa frívola, onde está quase toda a “gente bonita” e nós, propositadamente desleixados só para destoar, mantemos um animado diálogo sobre o métier que inventámos pela ocasião (lixeiros). Não deixamos o pregador de religião fazer a sua função, proclamando um discurso inane em cima do dele. Sentamo-nos numa esplanada bem frequentada e discorremos sobre a filosofia estruturalista, sem perder de vista Nietzsche que bem avisou que o suicídio é a consolação da existência (e notamos que quase ninguém percebe esta lição). Apanhamos um táxi, desfazemos as teorias boçais do condutor e, no fim da corrida, pagamos com moedas de um cêntimo. Vamos a uma vernissage tomar o jantar, convivendo no jantar volante com a “nata” da sociedade local que nos olha com desdém (e antes de sermos descobertos, que não daríamos esse prazer aos mastins de serviço, fomos de abalada). E voltamos a correr pelas ruas, como se estivéssemos a fugir do pânico, os rostos na posse de um sorriso rasgado a mostrarem como se adestra a alegria (e a ensinarem a fugir do pânico). Ao fim da noite, os corpos já extenuados de tanta folia, repousamos com o mar por diante. Consolados: pois não fomos assaltados por interrogações, nem partimos em demanda de respostas, nem ficamos reféns de vontades que não as nossas, nem procuramos entoar palavras que medram aleivosias alheias. O arremedo de meninice não pretendeu retardar o envelhecimento inato. Foi um devaneio momentâneo. Um recuo, para tomar lanço para a aventura do futuro.

Sem comentários: