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A luta de classes, ai, a luta de
classes. Os malvados capitalistas que, se pudessem, se alimentavam de operários
frágeis, num obsceno festim com meretrizes à mistura. Se eles pudessem,
deixavam a escravidão como único destino dos operários. Não os deixavam
instruir-se. Não deixavam que os letrados insubmissos fossem para a
universidade e estudassem Marx, pois são eles que incomodam a ordem vigente e a
harmonia que os malvados capitalistas sonham obter.
À míngua. Era o que os capitalistas sem
piedade queriam como condição inata dos operários. Todos somos operários, para
tal bastando que não sejamos detentores do capital. Operários, todos: desde os
que não têm instrução, até aos que a têm em dose excessiva. E como alguns
iluminados continuam fiéis à ingénua crença da repetição da história, que este
seja o momento de ruptura. Pois se tanto recuamos nas conquistas sociais, se há
governos farsantes que mais parecem testas-de-ferro dos nefandos capitalistas,
resgatemos Marx das empoeiradas estantes, que venha a sua doutrina embelezar as
ruas de protesto. Como mnemónica, ponhamos um busto de Marx à mesinha de
cabeceira, deixemos de lado a bíblia que fermenta o ópio dos desvalidos e os
desaconselha da ação violenta, substituída a bíblia pela nova bíblia que nunca
teve tanta atualidade: o “Capital”, de Marx (e Engels). Os passe-partout com iconografia familiar, um bastião do
individualismo disfarçado, devem ser arquivados para darem lugar a quadros e
bustos de Marx. Para Marx não sair da memória, agora que ele é tão urgente na
mudança de que o povo unido deve ser arquiteto.
Os repastos, também na companhia de um
busto de Marx. Enquanto os amesendados saciam a fome, que congeminem a revolta
em ebulição. Que não meçam a ação pelos pruridos da não violência, que os mandantes
em parceria com os capitalistas praticam sobre a imensa e silenciosa maioria a
pior das violências, uma soez e também silenciosa violência que promete mais
pobreza. Pois imersos na pobreza serão vulneráveis, um fogo fátuo que se
incinera na ganância dos ricos, dos muito ricos que querem ainda mais abastança
nem que ela signifique o sacrifício de tanta gente a uma pobreza ignóbil.
Marx é a reincarnação de Cristo. Que os
operários de todas as condições não caiam no engodo da retórica ao serviço dos
interesses dominantes: Marx não é, de maneira alguma, uma representação
totalitária. Não se deixem enganar quando vos dizem que os imperativos da
revolução e o decaimento dos interesses de cada um são a absorção da vontade
individual. A menos que queriam deixar a vontade individual sobrepor-se ao
destino de um povo inteiro que, a cada dia que passa, não se insubordina e fica
à mercê de gente sem escrúpulos. Essa sim, concordaria Marx, é a maior das
aleivosias.
Por isso convençam-se: a história é como
as marés, vai e vem e, quando volta, traz-nos a mesma água; e Marx devia ser
beatificado.
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