The Orwells, "The Righteous One" (Live on Letterman show), in https://www.youtube.com/watch?v=prlVtauCl2w
Sentia que uma espada do tamanho do
mundo fora desembainhada. Que a lâmina apurada andava em sua demanda. Pretendia
não saber quem eram os algozes. Jurava inocência, que não fora engenheiro de
maldades ou injustiças sobre outros, como ele se julgava, inocentes. Fugia da
espada como podia. Escondendo-se nas vielas escuras, descendo aos subterrâneos
que escondiam a fuligem do metro, transitando pelo bas fond da cidade, convivendo com o restolho da sociedade que por
ali andava.
O pior não era essa espada ladina que o procurava
sem cessar. Dizia-se que estes justiceiros não tinham complacência. Mal
encontrassem o procurado, despejavam com força a espada, sangrando-o até à
morte. Mas não era essa espada que fazia sobressaltar o sono. Era assaltado por
fantasmagóricas espadas no quotidiano, nas gentes apoderadas que não tinham piedade
de quem cuidavam estragar; nos endinheirados que (dizia-se à boca pequena)
conspiravam para serem mais ricos e deixarem em legado mais pobreza aos que já
nem remediados conseguiam ser; aos sacerdotes que ludibriavam as gentes de alma
estragada com fés redentoras; aos diligentes na maldade gratuita.
Não era vítima direta dessas
malfeitorias, mas elas adulteravam o seu sentido de ser. Era como se as espadas
assim desembainhadas sobre os outros tivessem estocada colateral em si. Delas
não podia fugir. Não podia arregimentar a hipocrisia que encomendasse os olhos
para lugares distantes, simulando a ausência das dores da modernidade. Era
quando queria outro tempo, não interessava se anterior ou projetado na
posteridade. Outro tempo. Podia ser que nessa dimensão temporal paralela não
houvesse tantas espadas decepando ilusões, tantas estocadas a derramarem sangue
vertido sem utilidade. Suplicava aos deuses, em preces retóricas, que semeasse
esse tempo diferente. Que inventassem uma nave espacial que o transportasse ao
tempo diferente de que se julgava residente. Para não ser ultrajado pelo bolçar
das espadas severas que esvoaçam, erráticas, apanhando quem estiver pelo
caminho, sem critério.
A não ser possível um tempo alternativo,
talvez não fosse mal pensada a estocada final. Ao menos, os olhos adormecidos
não seriam o cais por onde assolam tantas iniquidades que coalham o mundo na
sua terrível imperfeição.
1 comentário:
Outro tempo. Diametralmente oposto a qualquer “Disgraceland”.
“(…)
Tempo de absoluta depuração.
(…)
[mas]
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação."
"Os Ombros Suportam o Mundo", Carlos Drummond de Andrade.
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