16.6.14

Só os amantes sobrevivem

Darkside, "Metraton", in https://www.youtube.com/watch?v=VFfKPZhY16Q
Um lampejo clarividente, uma centelha acendida por mão divina (fazendo crer, pela oportunidade que se revela, na mão divina). Coalhando todos os despojos que restam inanimados no chão, sem serventia que não seja a de folhear o perjúrio do passado.
A centelha alumia o caminho que, de tão escuro, só podia ser notado pelo tacto. É como se ao chegar ao fundo do quarto a escuridão fosse finita, mercê de uma janela descarapuçada por onde entram os raios de um sol que estava sitiado para além do hermético quarto. O pensamento elabora as perguntas que outrora não tinham resposta ou tinham resposta benemérita, apenas para caldear o olhar com a poeira que disfarçava o que olhar não queria atestar. As perguntas que esbarram contra a saciedade do pensamento: o que mais importa? O que faz da existência um lugar recomendável? Que guitarras se perfumam com uma melodia cristalina, fugindo da verve untuosa que é um embuste por onde tantos fazem de conta do que almejam ser (e não conseguem)?
Os amantes encerram as respostas às perguntas todas. São os deuses mais altos da humanidade. Mandam nos sentimentos que contam. Têm o desassombro do pulsar genuíno, sem esconderem o rosto, sem negarem as palavras que interessam, recusando as arestas vivas que podem deixar cicatrizes. Pois os amantes sabem que só eles contam para o tempo vindouro. Só eles sobrevivem entre os escombros. Só os amantes sobrevivem às tempestades que povoam pânico. Só os amantes decantam as densidades certas do que tem valimento, rejeitando os apóstolos do infortúnio, destinando à indiferença os que teimam em morder os cachimbos da paz. 
Os amantes sobrevivem. Só eles. Os outros dizem que vivem. Pode ser que sim. Dentro de um labirinto que é a morte para os sentidos que importam. Fazem de conta que sobrevivem. Embaciados pela ilusão, atiram-se para os braços das demoníacas entidades que neles propagam as doenças maléficas de que depois são agentes contagiadores.
Do seu púlpito, os amantes que sobrevivem oferecem toda a indiferença.

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