Sigur Rós, "Untitled #1 (Vaka)", in https://www.youtube.com/watch?v=P0AZIFmkogY
Lunar, a paisagem embebia-se de uma
beleza singular. Os padrões convencionais diriam daquele lugar coisas medonhas.
Mas os olhos diferentes vêm coisas diferentes – ou não fosse a singular
diversidade o código genético da espécie.
Era como se tivesse aterrado na cratera
de um vulcão, a cratera já não na sua forma cónica. Talvez porque em tempos
houvera uma explosão do vulcão que desfez o seu perfil afiado a uma planície
onde todos os nutrientes medravam na cama de cinzas. A paisagem negra parecia
retirada de um filme de ficção científica. Só faltava o céu perenemente
escurecido. O equinócio estival fora há um par de dias. Não admirava que a luz
do dia atravessasse o dia fora, quase não havendo crepúsculo. Já era quase meia
noite quando chegou à planície de cinzas e continuava a ser dia, como se fosse
quase o entardecer a que estava habituado. O cenário duplicava a excentricidade
– a singularidade da paisagem e a luz diurna teimosamente cindindo a noção das
horas que vinha do relógio.
As cinzas eram o solo debaixo dos pés.
Não sujavam o calçado. Era uma poeira fina que se rarefazia quando as mãos
traziam do chão um naco de cinzas. Pelos preceitos escolares, aquela paisagem
lunar era epítome de infecundidade. Os olhos desmentiam o lugar-comum da
ciência de bolso: os arbustos coloridos medravam, havia árvores de pequeno
porte de onde desabrochavam flores brancas; ao longe, o ruído de um fio de água
crescia à medida que a distância se diluía. A suavidade da paisagem negra refletia-se
no pequeno lago onde desaguava o regato que parecia dimanar das entranhas da
terra. O silêncio era rompido pelo chilrear dos pássaros que poisavam na copa
das árvores em vésperas do sono que viria ausente de penumbra.
Naquele lugar vulcânico descobriu que as
convenções que sedimentam o pensamento podem ser desafiadas quando se esbarra
na originalidade. A riqueza dos lugares é a sua diversidade, as cores
diferentes, os odores que sobem da terra, a flora que mapeia as diferentes
latitudes, as pessoas que são da mesma genética e, todavia, tão díspares de
lugar para lugar. E aprendemos. Aprendemos que as cinzas não sinalizam ausência
nem retratam a inerte vida dos lugares onde elas são paisagem. Contradizendo os
cânones, as cinzas são um émulo da existência. Caucionam a renovação da vida.
São o nutriente que devolve a vida a um lugar que se julgava morto.
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