26.6.14

A planície de cinzas

Sigur Rós, "Untitled #1 (Vaka)", in https://www.youtube.com/watch?v=P0AZIFmkogY
Lunar, a paisagem embebia-se de uma beleza singular. Os padrões convencionais diriam daquele lugar coisas medonhas. Mas os olhos diferentes vêm coisas diferentes – ou não fosse a singular diversidade o código genético da espécie.
Era como se tivesse aterrado na cratera de um vulcão, a cratera já não na sua forma cónica. Talvez porque em tempos houvera uma explosão do vulcão que desfez o seu perfil afiado a uma planície onde todos os nutrientes medravam na cama de cinzas. A paisagem negra parecia retirada de um filme de ficção científica. Só faltava o céu perenemente escurecido. O equinócio estival fora há um par de dias. Não admirava que a luz do dia atravessasse o dia fora, quase não havendo crepúsculo. Já era quase meia noite quando chegou à planície de cinzas e continuava a ser dia, como se fosse quase o entardecer a que estava habituado. O cenário duplicava a excentricidade – a singularidade da paisagem e a luz diurna teimosamente cindindo a noção das horas que vinha do relógio.
As cinzas eram o solo debaixo dos pés. Não sujavam o calçado. Era uma poeira fina que se rarefazia quando as mãos traziam do chão um naco de cinzas. Pelos preceitos escolares, aquela paisagem lunar era epítome de infecundidade. Os olhos desmentiam o lugar-comum da ciência de bolso: os arbustos coloridos medravam, havia árvores de pequeno porte de onde desabrochavam flores brancas; ao longe, o ruído de um fio de água crescia à medida que a distância se diluía. A suavidade da paisagem negra refletia-se no pequeno lago onde desaguava o regato que parecia dimanar das entranhas da terra. O silêncio era rompido pelo chilrear dos pássaros que poisavam na copa das árvores em vésperas do sono que viria ausente de penumbra.
Naquele lugar vulcânico descobriu que as convenções que sedimentam o pensamento podem ser desafiadas quando se esbarra na originalidade. A riqueza dos lugares é a sua diversidade, as cores diferentes, os odores que sobem da terra, a flora que mapeia as diferentes latitudes, as pessoas que são da mesma genética e, todavia, tão díspares de lugar para lugar. E aprendemos. Aprendemos que as cinzas não sinalizam ausência nem retratam a inerte vida dos lugares onde elas são paisagem. Contradizendo os cânones, as cinzas são um émulo da existência. Caucionam a renovação da vida. São o nutriente que devolve a vida a um lugar que se julgava morto.

Sem comentários: