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A menina não sabia que as cores
sussurravam. Um dia, saía da escola pela mão da avó, sentiu umas vozes que, ao
começo, pareciam distantes. Como se o murmúrio da cidade ecoasse por dentro do
seu ouvido, sem medir as muitas palavras encavalitadas. Não deu importância.
Mas as vozes teimavam. Já não eram pálidas, como ao começo.
Apertou a mão da avó, apavorada. Fosse
adulta e dir-se-ia que ouvir vozes sem ver quem as entoava era sinal de loucura
(pois ouvira, muitas vezes, as pessoas a escarnecerem as que dizem ouvir vozes
sem dono, sugerindo que as portas da demência estavam a ser transpostas). Não
quis dar parte de fraca, não fosse a avó desvalorizar o queixume que esteve
quase a passar às palavras, ou não fosse a avó ficar tão azoada que a quisesse
levar ao hospital. Com o tempo a passar, descobriu o impasse: eram as cores a
falar. As cores dos lugares por onde passava. E as palavras que proferiam já
não se intimidavam na generosa contradita de não levar o pânico à menina. Eram
audíveis e já não se atamancavam umas nas outras. A menina ficou absorta. Podia
a avó esboçar as perguntas que avivavam a curiosidade sobre o dia na escola,
podia a avó querer informações sobre a disposição da neta, mas a menina estava
em levitação ao notar as cores que falavam entre si.
O amarelo arrumava a arrogância do
vermelho vivo, recusava o sangue febril que se desembaraçava nas inquietações. O
azul tropeçava na maresia que irrompia desde as marinhas paisagens,
emprestando-lhe cor. O lilás tingia a paisagem de veludo. A luz clara
pressagiava o branco, o manto de pureza em que a menina escolar estava imersa.
No jardim, uma enxurrada de verde troou aos ouvidos, como se houvesse estrofes
incompletas de poemas malditos, ou estrofes simples trespassando as
dificuldades dos dias correntes. Ao dobrar a esquina perto de casa, um grande
cartaz fazia publicidade a um produto enigmático, as pequenas palavras
cor-de-laranja sobressaindo num fundo negro. Num diálogo de contrastes: o
alaranjado enfatizava a doçura dos dias felizes, em contraponto com os sobressaltos
dos pesadelos consumidos em negrume.
A menina ainda pensou contar o segredo.
Não a fossem tomar por demente, num assomo de sensatez, guardou o segredo. As
cores seriam as suas tutoras. Para o bem e para o mal.
Que melhor tirocínio da vida podia
encontrar?
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