25.6.14

Não se escarnece da bandeira

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Um artista plástico criou uma obra de arte que troçava da bandeira nacional. Um qualquer zelador dos bons costumes pátrios estava de atalaia e o artista não demorou a ser levado a tribunal. Há leis que mandam punir quem escarnecer da bandeira nacional. Porque – como somos ensinados desde os bancos da escola, na habitual lição de cinzentismo que nos quebranta – “não se brinca com coisa sérias”.
Há a mania instalada de divinizar coisas e pessoas. Atingido o estatuto divino, ai de quem troçar ou criticar as coisas ou as pessoas que nele foram entronizadas. Nas escolas ainda se ensina às criancinhas que tivemos um passado glorioso, que demos a conhecer ao mundo novos mundos e fomos donos de metade do mundo. Não se recomenda que venha uma amnésia estalinista a faça esquecer as proezas dos longínquos antepassados. O que está errado é a esquizofrenia temporal: as criancinhas serem convocadas na sua tenra idade a terem saudades dos tempos em que houve uma gesta que lavrou o orgulho imemorial. Quando as crianças deixam de o ser, as dores de crescimento passam-se ao contrário: uma ambição, transitada da história que conta um conto de fadas sem representação no tempo presente, que mede mais do que o corpo que temos.
Não sei se também é ensinado às criancinhas que a bandeira nacional não pode ser beliscada, sob pena de desrespeito à nação que foi berço. Tendo ministros e secretários de Estado que usam à lapela uma bandeira nacional, em saloia exibição de patriotismo, não admira que o fervor patrioteiro seja transmitido nas escolas. Mas há um sinal de pequenez que nos deixa sequestrados: sermos tementes dos preceitos absolutos, vedado o desassombro de escarnecermos de nós mesmos, das fragilidades que nos consomem.
Que mal tem um artista recriar a bandeira nacional como obra de arte? Atinge o epicentro do orgulho pátrio e a nação fica desvalorizada pelo ato criativo? Os zeladores dos nobres valores pátrios que estão de atalaia ao menor atropelo à bandeira não percebem que o atropelo maior é restringir a liberdade de criação artística? Deixai a bandeira ser recriada, nem que seja para provocar reações emocionais dos que se apegam à sua absoluta condição. Nem que seja para ser processado, já que os tribunais não devem ter tanto trabalho como consta.

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