24.4.15

Simplesmente peões

Eagulls, “I Wanna Be Adored”, in https://www.youtube.com/watch?v=DE4oFpeaczM
Pobres dos que se certificam a si mesmos matéria central do universo. O resto é que são ilhas. Neles convergem as forças, não descurando de banalizar os atores adjacentes. Epítomes de uma refulgência admirável, como se tivessem nascido untados de ouro. Ou como se sobre eles adejasse uma aura muito especial, predestinada gente que tem sempre a derradeira palavra, arrebanha para si o monopólio da razão e destitui quem bolçar adversativas reduzindo-os a um nada humilhante. Admita-se que é gente que acorda a cogitar como são entidades centrípetas. A eles tudo atrai – mas tudo o que tiver pergaminhos elogiáveis, que as excrescências são depositadas na gente vulgar sem estaleca para entrar no Olimpo dos escolhidos.
E, todavia, mal sabem que não passam de peões. Como todos somos, peões num imenso tabuleiro onde se jogam as peças de um xadrez perene. Uns poucos, a quem o poder se abraça ao regaço, manobram as peças. São esses que pairam dois patamares acima dos demais. Até dos que puxam lustro à sua magnificência e compulsam para si mesmos um estatuto que, ó contristado fado, só existe dentro das suas cabeças.
O dia chegará em que as ilusões esbarram num fim. Para alguns seráficos do eu incomensurável, tal dia já terá chegado. Não terá sido fácil suportar a dolorosa campa da realidade: afinal são tão pequenos como os meãos de quem se julgavam matéria superior. Porventura escondem o dia em que a purulenta realidade lhes bateu à porta. Insistem numa ilusão, desta vez agravada: pois dantes, ao menos, julgavam de espírito convencido que eram peças especiais; agora, que sabem que são tão ornamentais como o vulgar peão, tratam-se como os avestruzes (e metem a cabeça na areia). Oxalá não morram sufocados com a areia imprópria para nutriente. 
Outros, a quem a tesoura tenebrosa das coisas como são ainda não sondou, estão em lista de espera. Não irão escapar a este sabre. Ficarão a saber como doem os precipícios quando neles se entra em queda livre. A dissolução das ilusões a seu próprio respeito tratará de arranjar o desiderato. Ao tomarem conta que o pergaminho especial lhes foi negado, e ao saberem que afinal são tão peões como o mais vulgar dos peões, sentirão os ossos estalar no fim do precipício. Dor que, convém dizê-lo, jamais será sentida pelos peões autênticos. Pois por o serem – e por saberem que o são – não experimentam as calosidades de precipícios assim.

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