21.4.15

O secretário de Estado que povoava os sonhos das funcionárias dos ministérios, das coquetes da capital e até das assanhadas de esquerda

Anne Clark, “True Love Tails”, in https://www.youtube.com/watch?v=8rl8-Yo2W5U
O secretário de Estado era o mais popular do governo. Entre o público feminino (e algum público masculino que escondia identidades no armário). Não se distinguia no exercício da governação. Era banal. O que, entre a mediocridade impante, constituía elogio.
O secretário de Estado animava a excitação do público feminino (e de algum público masculino homossexual) pelo charme. Não era habitual nas personagens políticas, normalmente mais dadas à feiura. Era alto, magro mas atlético, bem parecido, o cabelo sempre impecavelmente escanhoado deixando à mostra os cabelos grisalhos que começavam a povoar as laterais, os olhos encovados ressoando a mistério. Não se conheciam amores recentes, nem se sabia que partilhasse a vida com alguém. Diziam as secretárias do ministério, entre dois suspiros, mal empregado o secretário de Estado ter escolhido a solidão. O que, ao mesmo tempo, incendiava as esperanças das senhoras, desde as solteironas involuntárias a outras a atravessarem crises conjugais e àquelas que sonhavam com uma simples aventura tórrida. Eram elas que privavam de perto com o secretário de Estado. Que iam à vez servir os quatro, cinco cafés que o secretário de Estado bebia ao longo do dia.
Cá fora, o homem não era indiferente ao restante mulherio. Algumas coquetes, sempre com presença social e, portanto, ávidas das mais recentes frivolidades na comunicação social do género, começaram a ver noticiários e a ler jornais outros que não cor-de-rosa. As tias começaram a ser presença assídua nos lugares que, constava-se, eram frequentados pelo secretário de Estado. Correram notícias que algumas, mais desavergonhadas, assediaram indecentemente o secretário de Estado. Incomodado, reviu os hábitos.
E até algumas militantes das esquerdas abdicaram de preconceitos e tinham sonhos molhados com o secretário de Estado. Começaram por não o admitir, nem sequer no seu íntimo, pois mulher de esquerda que se preze sabe que não se pode enamorar por homens de direita. E sabem, dos catecismos absolutos que as doutrinam, que os homens de direita são sensaborões e pouco sabem da poda. Os ais pesaram mais que os preconceitos. Algumas esquerdistas destacadas viram-se em maus lençóis junto dos camaradas (porventura por ciúmes, porventura por preconceito, ou por ambos os motivos).
O secretário de Estado teimava em estar sozinho. Corriam rumores que o homem arrastava a asa só para relacionamentos fugazes, só para alimentar os prazeres carnais. Mas eram só rumores. No dia a seguir à tomada de posse do novo governo (do partido rival), o secretário de Estado foi apanhado por paparazzi numa ilha grega. Ficou-se a saber que era da mesma cepa do Luíz Pacheco. E as mulheres todas, a uma só vez, ficaram a saber quem tinha sido Luíz Pacheco e entornaram a desilusão do antigo secretário de Estado.

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