Medeiros/Lucas,
“Fado do regresso”, in https://www.youtube.com/watch?v=jWpQ4oH9eIA
Ora lá vamos nós outra
vez numa viagem pelo relativismo. Quando falamos de liberdade, de liberdades
políticas, cívicas e económicas, falamos de um conceito que se objetiva, ou de
um conceito que varia consoante as pessoas que o invocam e os seus pessoais
lastros?
Começa a ser cansativo
ser testemunha de pitonisas datadas, e outras não datadas mas que já aprenderam
a retórica retorcida, a convocarem para si o património genético da revolução,
a chamarem a si a exclusiva paternidade das liberdades, excluindo as direitas
que não participaram no momento de rutura com a ditadura. Como variante deste
discurso em forma de disco riscado, vêm outras pitonisas que deploram a
ausência cívica de muita gente que não vem para as ruas festejar a revolução,
não enverga cravos vermelhos à lapela, não canta a Grândola Vila Morena e não
se mete a ouvir o cancioneiro de intervenção.
Há três aspetos curiosos
nesta variante retórica a propósito do 25 de abril. Primeiro: alguns
intérpretes deste argumentário já se manifestaram no passado contra a
hipocrisia de políticos de “direita” por terem tido o topete de meterem cravos
vermelhos à lapela num qualquer 25 de abril. Ou seja: se se demitem da ornamentação
floral, é porque não honram a revolução e não são tributários das liberdades;
se vão à florista mais próxima buscar um cravo vermelho, é só uma excitação
hipócrita.
Segundo: esses ascetas da
revolução, que têm todo o direito de nidificar numa particular hermenêutica do
25 de abril, não podem escapar ao vínculo ideológico nem à história de
contumácia das liberdades que vem de arrasto com esse vínculo ideológico. No
sábado, Manuel Loff ensaiou no Público
uma visão condoída da perda dos pergaminhos da revolução, usando a sua lente
particular acerca do significado da revolução. Se Loff (e companhia) se arroga
ao direito de ser tutor das liberdades, e em recusar aos partidos de “direita” um
património genético de liberdades, eu tenho o mesmo direito de acusar Loff e
companhia (bem entendido: os que, como Loff, se encostam ao PC) de não terem
autoridade para falar de liberdades. A história da União Soviética e de outros
países que andaram (e dos poucos que ainda andam) pelo comunismo é um programa
inteiro sobre a negação das liberdades.
Terceiro: Loff verteu
prantos para o seu texto porque, tirando os habituais clientes das comemorações
do 25 de abril, a maioria da população não se incomoda em prestar tributo a uma
revolução que lhes trouxe a liberdade. Ora, suponho que Loff não se sentiria
cómodo ao saber (cenário imaginário) que gente de outros quadrantes estaria a
seu lado numa destas manifestações de rua, pelo que se dispensa a manifestação
de moralidade. Seguindo as particulares conceções de organização social da
ideologia de Loff, todo o cidadão devia honrar a liberdade vindo para a rua louvar
a revolução, como obrigatório devia ser (admite-se, sob pena de delação que
daria direito a repreensão registada no processo individual dos infratores),
apensar encarnado cravo na lapela (e na esquerda lapela).
Da parte que me toca, não
recebo instruções de conduta de ninguém – e menos ainda de quem se filia numa
ideologia que está nos antípodas das liberdades. Nem menos admito a insinuação loffiana de não honrar a liberdade por não
vir para a rua comemorar o 25 de abril, ou de ser fascista por omissão ao não
pôr um cravo na lapela. As pessoas não podem ser comandadas através de um comité
central que se acha possuído de deificada essência. A Loff e comandita, com
toda a delicadeza, mando-os para o raio que os parta.
Sem comentários:
Enviar um comentário