The
The, “This is the Day”, in https://www.youtube.com/watch?v=KeFKsX2-PRg
(...) Cristo foi uma espécie de marxista-leninista mas
com alguns
escrúpulos extra-partidários. (...)
Herberto
Helder, in A morte sem mestre, Porto
Editora, 2014, p. 43.
Desarranjos intestinais e
uma tempestade cerebral, porque os esteios perderam préstimo. As ideias
contorcem-se sobre si mesmas. Interrogam dogmas, duvidam de pressupostos. Duvidam
de si mesmas. A dúvida existencial parece um punhal cravado bem fundo, escarafunchando
a carne até chegar ao osso, o sangue abundante tomando conta do chão.
Sacerdotes incumbidos da
doutrinação passam noites em branco. Durante o dia, tentam convencer os crentes
em ciclópica crise existencial que o fermento das dúvidas é uma desrazão.
Durante a noite, regressam aos cartapácios de onde beberam a doutrinação para
inventarem novas pedagogias que revivesçam as ideias hipotecadas pelos
subitamente descrentes. O exército de fieis não pode decrescer. Ou a religião
ideologizada começa a ficar sem chão para repousar. A ideologia não tem coutada
se não houver gente a abraçá-la.
Os subitamente descrentes
protestam contra as pontes entre o catecismo ideológico que seguiram e os
dogmas religiosos. Não sabem como sufragar as ideias no dédalo da igreja, se
foram educados na superioridade das ideias contra a heresia das religiões. Os
apopléticos sacerdotes da ideologia ensaiam manobras semânticas, ardis
retóricos; em última instância, invocam o estatuto de guias, que as suas
palavras devem ser seguidas sem contestação, pois esse é o seu papel e aos seguidores
está destinado segui-los sem protesto. O caos sobrepõe-se: os descrentes
assumem a sua condição. Exilam-se das ideias que foram esteio. Já não há
regresso possível.
A certa altura, os
próprios gurus começam a duvidar do catecismo, ou pelo menos se o catecismo não
entrou nos alvores do anacrónico e não está à espera de renovação. Digladiam-se
com as dúvidas interiores. Divididos entre o dogmatismo que não admite a
desfiliação da ortodoxia e a necessidade, nem que oportunista seja, de
modernizar o credo, sucumbem ao cansaço. Afinal, os pregadores da razão também
são assaltados por dúvidas interiores. Ao descobrirem que Cristo foi o primeiro
dos marxistas, ficam sem coordenadas para sequer pensarem.
Fica bem visto: isto das
ideias – e de as seguir como monolíticas personagens – é um cárcere.
Sem comentários:
Enviar um comentário