15.4.15

Quem sou eu?

The Durutti Column, “Without Mercy, 1” in https://www.youtube.com/watch?v=qwEBzhEpr1M
Na repristinação do tempo mortiço, uma interrogação axial sobre o eu que há em mim. Gaste-se o tempo que seja tomado como necessário para alinhavar uma réplica. A que merecer ser suturada pela mão do cirurgião de almas que há por dentro de mim. Oxalá a demanda não seja infecunda, caso em que a orfandade identitária pode ofender o bom juízo e o juízo restante se perca por aí, entre o orvalho matinal e a penumbra da noite madraça.
Quem sou eu? Uma tentativa: torrente de lava incandescente. Ou areia movediça de um deserto imprestável. Ou água, ora devolvida em iracundas ondas, ora espreguiçada em plano espelho onde se deita o sol que lhe empresta vestígios prateados.
Um colóquio de estados de alma, variáveis como a luz das estações, inerte à medida que a contumácia do tempo se emoldura na maciez das poeiras gastas. Ou a tangência às almas exteriores que são imediações, na recusa do ensimesmar que não desvenda sendas de brio próprio.
Um mapa de livre acesso, na convocatória da transparência, quando a transparência é metódica regra de convivência com a exterioridade. Ou uma ilha inacessível aos olhares alheios.
A tradição das tradições, soez maltrapilho que esbulha a altivez da alma. Sem antítese admitida.
O músico sem saber música. O consumidor de artes sem desiderato outro se não cultivar a alma desarvorada de demónios diversos, sobretudo dos que povoam pesadelos habituais.
Um corpo pequeno do tamanho dos mares, pelo menos na viçosa tela das intenções. Ou generosidade com freio, quando se atamancam feitos que se julgam proezas que, todavia, o não são, expondo as imensas fragilidades da espécie que nelas se não revê.
Uma montanha frondosa, com encantadores regatos a sulcarem vales que irrompem pela serrania abaixo até alimentarem mansos caudais. Ou rochosas escarpas, os precipícios medonhos que ameaçam a calma dos tempos amenos com farpas de granito ávidas de trespassar a carne.
Uma pauta com notas congeminadas numa melodia ímpar, uma melodia que cativa a atenção dos rouxinóis cantores. Ou uma folha teimosamente em branco, sem serventia para uma – uma sequer – nota ou palavra que derrote o silêncio que acomoda a letargia.
Um mar que chama por companhia. Uma companhia que sou, porventura, sofrível. O tutor do amor singular, em desordem com os servos do desamor. Porventura, em instantes, estimável. Um poço sem fundo, que arroteia as estrofes que levitam das profundezas da água até ascenderem à superfície, só para verem as cores do mundo. Ou a superficialidade da pele quente para desembainhar a proteção da alma.
E um palimpsesto dentro de mim (ou por dentro de mim).

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