Zeca
Afonso, “Vampiros” (ao vivo no Coliseu de Lisboa), in https://www.youtube.com/watch?v=ZUEeBhhuUos
(Em véspera do dia do
trabalhador)
Os ricos são maus.
Egoístas. Avarentos. Tencionam empobrecer os que não fazem parte do escol.
Colocá-los à míngua. Para ser mais fácil tê-los na mão. Manobram os pobres para
aceitarem mais miséria – pois alguma miséria, por suposto ato bondoso dos
ricos, é preferível a uma miséria absoluta.
Os ricos são
maniqueístas. Gente boçal que ensimesma os lucros e detesta partilhar com quem
precisa. Os ricos, por serem a personificação do diabo na terra, deviam ser
castigados com todas as forças que só a uma entidade divina são dadas. Os
governos deviam ser a personificação dessa entidade entre os mortais. Os
governos deviam cuspir nos ricos. Fazer orelhas moucas sempre que os ricos
manobrassem nos interstícios, às escondidas dos holofotes, jogando no tabuleiro
das influências para deitarem a mão a regalias que lhes interessem. Os governos
deviam aplicar impostos muito elevados aos ricos, já que eles não interiorizam a
generosidade como imperativo da solidariedade social. E deviam proibir heranças
entre os ricos, para as regras do jogo serem mais justas e todos poderem
ambicionar melhores condições de vida, para todos poderem fazer cumprir os
sonhos que um não berço não deixava.
Os ricos querem explorar
os pobres, a começar pelos que estão ao seu serviço nas empresas de que são donos.
Os ricos desejam que os trabalhadores ganhem salários mais baixos por maiores
jornadas semanais de trabalho. Que ninguém lhes fale em distribuir lucros com
quem permitiu que lucros houvesse, que os trabalhadores só têm trabalho por
condescendência dos ricos.
Os ricos são burros: não
sabem que a opressão dos pobres fermenta os rudimentos da sublevação. E não
sabem nada de história – nem do catecismo marxista. Imersos nesta ignorância,
nem lobrigam a hipótese de revolta das massas, que pode acabar num trágico
destino para os haveres e para as pessoas dos ricos. Como são ignorantes e
dados à avareza, se alguém lhes sussurrar o risco que correm ficam em apoplexia
só de imaginarem que os haveres podem ser socializados.
E isto tudo, como generalização
que é, é tão nítido e incontestável como dizer que todos os barbudos ruivos e
gordos são canhestros e intelectualmente desonestos.
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