Tricky,
“Parenthesis” (featuring The Antlers), in https://www.youtube.com/watch?v=1ZsPPljyFTo
(Concerto de Tricky, Casa
da Música, 11.04.15)
Desta vez não houve
público a saltar para o palco, convidado pelo artista. Não houve tanta
comunhão. Mais introspeção. Entre os sons tribais e hipnóticos, era como se Tricky
se contorcesse nas interiores dores. E as expulsasse em coreografias caóticas e
compulsivas, como se as veias estivessem
comprimidas por um espaço exíguo e o corpo quisesse transbordar de si.
Ditatorial, comandou os
músicos com gestos firmes, autocráticos, aos quais os músicos obedeciam sem
esgar de desprazer. Não que fosse possível ver os rostos dos músicos: a
penumbra foi cenário do concerto, não se distinguindo se não os vultos de
Tricky em deambulações eletrizantes pelo palco, da voz feminina em repetitiva e
feminil coreografia enquanto descansava a voz, do guitarrista de boné a
descarregar nervo através das cordas da guitarra, do baterista que emprestava
ritmo e comandava, através da batuta, as programações que continham a música sem
ser em direto. Tricky tinha explosões desmedidas quando ordenava a música em
aceleração. Dir-se-ia: exorcizava um demónio que o tomou por dentro. Consumições
de uma mente atormentada. Dores de uma solidão esbatida, derrotada na hipnose
tratada com os sons rituais.
Cinquenta minutos depois,
encenou o fim do concerto. Mandam as convenções: os músicos regressam à
convocatória do público, que se demora no aplauso que é tributo e, ao mesmo
tempo, clamor por uma sobremesa da performance que seja seu epílogo, duas, três
músicas para apurar os sentidos antes de as luzes se acenderem. Os outros músicos
vieram primeiro. Tricky regressou à segunda música. Para a segunda parte. A
parte mais memorável (é certo que tinha havido uma inesperada cover de “Do You Love Me Now”, das
Breeders; e que o suposto autismo artístico levara Tricky a ordenar a
interrupção abrupta de “Overcome” ao fim de uns acordes, para deceção dos
admiradores mais antigos, dando corpo ao perfecionismo). Improvisações que
davam novas roupagens a músicas, reinventando-as, fazendo-se maestro de uma jam session fulgurante, contaminando o
público que, enfim, se soltou das amarras das cadeiras e destravou danças
descoordenadas.
Desta vez, Tricky não
ficou no fim do concerto para tirar fotografias com quem as quisesse guardar
para a posteridade. Nem apareceu, de supetão, nas costas do público. Desta vez,
como da outra, vagueou no palco, pegou nos microfones percutindo-os contra o
peito – como se quisesse ecoar as dores interiores para fora de si –, gritou
longe dos microfones fazendo-se ouvir num sussurro gutural. Como da outra vez,
deitou a raiva com movimentos vertiginosos da cabeça que serpenteava de um lado
para o outro como se fosse desprender. E, como da outra vez, o impreterível
charro acendido e reacendido entre duas músicas.
Apeteceu meter parêntesis
no marasmo só para transgredir, transgredir até que as alvoradas fossem
entardeceres com o sol virado do avesso. Para que as bissetrizes aparecessem desarranjadas
e as palavras proferidas soassem a desconhecido. Para aplacar a raiva toda que
se consome no fermentar das prepotências e dos abusos que povoam a desrazão.
Pois um concerto é (também) revirar as entranhas do avesso. Como Tricky ensina e
poucos sabem.
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