Nick
Cave and the Bad Seeds, “Dig, Lazarus, Dig!!!”, in https://www.youtube.com/watch?v=PxWS1ufr5xI
Ouvia falar de conceitos
que eram adquiridos para a maioria dos pares. Para ele, eram conceitos
imprecisos. Alvos da mais pura subjetividade. Não se podiam, mesmo tratando-se
(para muitos) de lugares-comuns, olhar como uma medida uniforme. Em sendo
lugares-comuns, é difícil esboroar convencimentos e estalões convencionados. Os
que desafiam as convenções são internados no degredo dos mal-intencionados. Por
vezes, metidos num canto onde medram os párias da sociedade.
Bondade e maldade eram dois
conceitos relacionados que vinham à colação, frequentemente. O bem e o mal eram
medidas consensuais (ou quase: não houvesse os dissidentes dos costumes). Como
conceitos objetivos, ato contínuo eram usados para entretecer juízos de valor.
Sobre palavras proferidas, ações ou intenções, comportamentos (ou a sua
ausência), sobre as dores do mundo e as belas artes que a elas se contrapõem. Ele
nunca aceitou a ordem estabelecida. Discordava que se pudessem compulsar
conceitos com rigor matemático e aplicá-los, com igual firmeza, às palavras,
ações, intenções e comportamentos. Talvez por isso fosse uma ilha no meio dos
outros. Sozinho, sem amigos, a família procurando esquecer-se dele, no trabalho
quase sempre mudo porque os demais não o queriam como companhia.
Muitos apontaram-no a
dedo às ruínas sombrias onde campeia a maldade. Dizia-se ser maldade em estado
puro, uma insolente falta de sensibilidade pelos outros. Julgavam, os que o
acusavam de terem sido suas vítimas, que praticava a maldade pelo puro gosto da
maldade. Que gostava de ver pessoas a sofrer e saber que tinha sido o mandante
do sobressalto. Houve até quem jurasse a pés juntos que era a personificação de
Lázaro.
Ele desmentia o opróbrio.
O mal não estava nas suas ações e em encontrar nelas a raiz da maldade. Ao
início, insistia na porosidade dos conceitos. Confrontado com as consequências
das ações, das palavras proferidas em forma de agressão, do comportamento
dolosamente provocatório (sem que houvesse outro fito se não o de provocar por
provocar), defendia-se que os outros é que o julgavam a partir de uma lente
desfocada.
Um certo dia, começou a
atirar as interrogações todas para cima de si mesmo. Podia dar-se o caso de a
lente desfocada ser a sua. E ele estar convencido que não praticava maldade,
apesar das repetidas denúncias de quem se queixara de ser vítima às suas mãos. Podia
dar-se o caso de todas as lentes estarem embaciadas. E as coisas não serem más
como nele eram retratadas. Se assim era, a lente dele, também desfocada,
fermentava uma lição que nunca admitira: talvez fosse um agente da maldade e
não soubesse. Que era agente da maldade. E que não sabia delimitar as baias da
maldade.
Foi quando discerniu, na
penumbra do espelho, o chapéu de Lázaro a reluzir em sua cabeça. E resignou-se à
sua natureza.
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