Tom
Waits, “Downtown Train”, in https://www.youtube.com/watch?v=hZhW76LAnTY
Tenho de começar por
admitir uma notória aversão a proibições. Desconfio de proibições como quem tem
uma dúvida metódica sobre coisas sobre as quais se desconfia que podem não ser
boa ideia. Quando as proibições nos são apresentadas como um ato de
generosidade de quem legisla, como se fosse necessário o legislador exercer um
poder paternal sobre uma sociedade que não sabe tomar conta de si, desconfio
ainda mais da bondade do legislador transfigurado em engenheiro social.
O governo refletiu sobre
um tremendo problema social: as bebedeiras descomunais que os petizes apanham
quando saem à noite. Em não sendo possível baixar a idade da maioridade, o
legislador atalhou pela medida grande: já que os adolescentes são precoces em
tanta coisa (só como amostra: na vida noturna e no consumo exagerado de bebidas
alcoólicas), o legislador está convencido que resolve o problema proibindo a
venda de bebidas espirituosas e afins a menores de idade. Estão previstas
multas para os estabelecimentos de diversão que vendam bebidas alcoólicas a
adolescentes espigadotes. Neste maravilhoso exercício que é tomar conta de
todos nós através de lei, até se prevê que os progenitores sejam incomodados a
meio da noite caso a descendência seja encontrada em estado pré-comatoso devido
à ingestão excessiva de álcool.
O legislador acredita que
esta lei vai funcionar. Como funcionam outras proibições decretadas com força
de lei. Só para amostra: a prostituição é proibida, mas andamos em certas ruas
das cidades, à luz do dia, e vemos raparigas e já não raparigas de coxa farta
dispostas a venderem o corpo para deleite da clientela; e, como é sabido, nesta
terra não há consumo de drogas, das mais leves às mais duras, pois a lei
proíbe-o. A ingenuidade do legislador não quadra com a posição de força que
ostenta quando tenciona proibir hábitos socialmente reprovados, ou quando
pretende moldar o cidadão aos hábitos socialmente aconselháveis. (Nem de
propósito: ontem discutia-se no parlamento uma política de incentivos à
natalidade, tamanho o drama da crise demográfica. Um dia destes, o legislador
fará as vezes de conselheiro sexual. Ou punirá – com multa, ou em sede fiscal –
aqueles casais que não derem o seu contributo para derrotar a crise demográfica,
parindo farta descendência.)
Para o anarquista sem
remédio, as tentativas de engenharia social pela batuta da lei são risíveis. Elas
encerram em si o cadafalso onde o legislador se vai perder, o cadafalso da perda
de autoridade, ou da autoridade espezinhada por tantos que mandam a lei às malvas.
É o que acontece quando se inventam leis que estão condenadas a não serem
respeitadas por quase ninguém. Não sei se o legislador tem inveja dos
jovenzinhos que enfrascam bebidas alcoólicas até se esquecerem de quem são. Talvez
tenha receio que a horda juvenil esgote o stock
de bebidas, não sobrando nada para o legislador afogar as mágoas. Ou então,
ao legiferar, porventura o legislador estaria ébrio. Só pode ser, tão
ditirâmbica é esta lei.
Para terminar: dizem
algumas luminárias que nunca tivemos governo tão liberal (ou “neoliberal”, num
neologismo de incerta definição). Fica provado com leis como esta. Têm mesmo
pergaminhos liberais. Aconselha-se essas luminárias a tirarem um curso rápido
de filosofia política e de história das ideias políticas, para não caírem num
ridículo ainda maior que o legislador ingénuo.
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