Blur, “Song
2”, in https://www.youtube.com/watch?v=SSbBvKaM6sk
Foi pela alvorada, quando a luz ainda macia trespassa a noite. Estava o vulcão em seus
preparos. Onde nem sequer havia uma montanha, cónica como soe ser quando se
trata de vulcões.
O que podia ser uma
adversidade foi abençoado. Estávamos todos a precisar de abalos telúricos que
hipotecassem os frondosos esteios que, já se não percebia, eram travões ao
esplendor. Estávamos todos a precisar de ver as entranhas a arder, de as ver vomitar
fogo e de apreciar as labaredas a consumirem as ruas desertas. Estávamos todos
a precisar de um módico de pânico. Para interpelarmos o sossego que era
adversidade, uma inércia ardilosa, a inércia confundida com estáveis mares que
não apoquentavam as naus que os frequentassem. O vulcão insubordinou-se. Sem
aviso, começou por deitar fumarolas intensas, parecia que estava a fumar um
cachimbo descomunal, a ver pelas cinzas espessas que se iam acamando na roupa
dos mirones de circunstância. Não se demorou nos seus propósitos. Depressa
disse ao que vinha. Num troar iracundo, golfou a lava luminescente.
O vulcão não deu ouvidos
aos mercadores do equilíbrio das coisas todas, os que querem que o tempo seja
uma entediante repetição de preceitos ordenados em sua harmonia. Os mercadores
suplicaram que o vulcão fosse efémero, que cuidasse de assustar as pessoas mas
não se demorasse e voltasse à hibernação que era o seu estado admirável. O
vulcão não podia dar ouvidos aos testas-de-ferro das coisas sequestradas pela
inércia dos deuses do tédio. Os gritos tonitruantes ensurdeciam as redondezas.
Ninguém cuidou de saber se o vulcão seria cortês para os porta-vozes da
serenidade: os gritos de dor do vulcão distraíam do resto.
Os emissários da
serenidade pensaram num plano para contrariar a teimosia do vulcão.
Encomendaram os serviços de uns feiticeiros africanos, peritos em destravar a
chuva nos idos de seca, para aplacar a fúria do vulcão que cuspia lava como se
ela fosse infinita. Os feiticeiros conseguiram fazer chuva. Mas as grossas gotas
da chuva cristalizavam assim que aterravam na lava incandescente. O vulcão só
adormeceu quando os feitores dos tempos álgidos se convenceram da sua futilidade.
Nas sobras de todas as apoquentações bolçadas pelo vulcão, sobejava a vontade
de pegar nas cinzas e meter as mãos à obra. Não era um nada que sobrava. Mas,
ao menos, as gentes teriam de sacudir a poeira da inércia para refazerem as
paisagens em redor.
Fora essa a serventia do
vulcão.
1 comentário:
Em cada um de nós existe um vulcão, em alguns entra em erupção, noutros fica simplesmente adormecido...
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