Spoon,
“Incide Out”, in https://www.youtube.com/watch?v=IpT5SBg1Mmk
Era fortaleza feita de
pedra dura, montada no monte mais alto. Onde era tão difícil chegar. Não queria
intrusões. Não queria cometimentos alheios, temendo que a sua identidade, que
só lhe dizia respeito, sofresse um rombo por ares vindos de fora.
Havia registo de várias
tentativas. Não se tratava de invasões, como na idade média com os cavaleiros
que palmilhavam as terras em demanda de novas conquistas. Ou: era uma invasão
diferente, sem a impregnação de violência que vem com as invasões bárbaras.
Talvez temesse não aprender a partilhar o domínio da sua fortaleza. Fechava-se
a sete chaves. Repelia, com indisfarçável descortesia, os empreendimentos de
quem ousou coabitar a fortaleza. Ele eram tantos os episódios de águas
furtadas, de sol tresmalhado, de olhos arrebatados por ardis, e tantas as
ruínas de todos os que se tinham despojado ao abrirem as janelas de par em par –
ele era tudo isto, e por tudo isto a fortaleza era à prova de bala.
Havia quem teimasse na
demanda. Talvez pelo feitiço do mistério, uma atração irremediável para muitos.
Tentaram de todas as maneiras. Com lhaneza ou complexa astúcia. Com franqueza ou
insinceridade. Em carne e osso ou enviando emissários em nome próprio. Em todas
as estações do ano, com as condições que a meteorologia oferecesse na circunstância.
Prometendo apenas a singeleza de quem se oferecia para a coabitação na
fortaleza, ou fabricando falinhas mansas de entremeio com promessas de
abastança (sabendo à partida que era impostura). Houve quem viesse com
propósitos nobres e quem se convencesse que a função teria de ir à sua foz,
usasse os meios que fossem necessários.
Houve quem, perante a
indiferença do habitante da fortaleza, tivesse usado pé-de-cabra. Podiam as
portadas e as janelas da fortaleza ser de aço maciço, que o pé-de-cabra
conseguiria abrir uma fenda (que fosse) por onde depois a perseverança trataria
de escavar abertura mais larga. Sempre de atalaia, o habitante da fortaleza
repelia as incursões. Ao promotor do pé-de-cabra (manha nunca usada outrora),
atirou ácido sulfúrico. Ao mesmo tempo que gritava, a plenos pulmões, para os
ardinas o ouvirem no exterior da fortaleza: “mandem dizer que daqui não levam nada. Desistam. Não são mais teimosos
que eu. Desistam – eu não tenho serventia. Não queiram saber de mim. Não
queiram essa carga de trabalhos.”
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