7.9.15

Continência aos poetas

Os Poetas, “O navio de espelhos”, in https://www.youtube.com/watch?v=gbT8l8YyORo
As coisas servidas na bandeja das televisões perdiam importância. Não era cansaço. Era apenas o enjoo da realidade, a nauseabunda atualidade a contaminar as notícias servidas. Tratava-se de um convite à alienação. Todo o contrário da ortodoxia: estar ao corrente das engrenagens do mundo era condição primeira para a lucidez. Não podiam estar mais errados.
Os poetas desenganavam a ortodoxia. Adestravam palavras numa semântica reinventada. Havia inesperados casamentos de palavras. Quem lia a poesia acabava por se meter numa equidistância entre a alienação patológica e a toxicodependência da realidade. Uma equidistância singular. Não estava a meio caminho entre os polos convencionados. Estava por cima de ambos os vetores. Quem se conseguia alcandorar a este lugar embebia-se numa paisagem bucólica, desprovida dos vapores nauseabundos da atualidade e da neblina impante dos alienados. Na companhia de poetas ágeis, flutuavam entre as palavras quiméricas que ora eram sussurradas, ora berradas à exaustão.
Aprendiam uma nova gramática. O método para reaprenderem a ser gente maior. Talvez não lhes fosse dado o dom de poemar. Tentavam, contudo. Eram apenas uns esboços terapêuticos, não tinham a ambição de rivalizar com os poetas assim denominados. Mas estes insistiam em que poemas novos fossem tentados. Os aprendizes escoltavam a poesia sublime ao arrematarem a sua própria poesia tentada. Não era insulto aos poetas viventes e aos finados. Era homenagem. Um dia, um dos bacantes, em assembleia de opiniões, saiu-se com uma expressão que causou imediata impressão nos demais: impunha-se a continência aos poetas. Sem que a continência fosse aparentada com a militar, hierárquica continência, pois esta sela a consolidação de castas.
A continência aos poetas era uma homenagem às palavras que sabem, como ninguém, coreografar. Pois que o poema ganha autonomia quando se solta da mão do poeta, torna-se património comum através das páginas que os emolduram, através das vozes que os entoam antes de serem (se forem) vertidos em letra de forma. Naquele púlpito não havia afeções. Não havia infortúnios. Só plenitude congraçada pelos espíritos tutores.

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