21.9.15

Onde é este lugar?

Bunnyranch, “Where Am I, Where Are You”, in https://www.youtube.com/watch?v=rYvzUcIOONQ
Não sabia se era pesadelo, ou se os sentidos estavam de atalaia. Desconfiava que o lugar onde estava era familiar. Não se lembrava de ter viajado na véspera. Estranhamente, por mais que errasse pelas ruas apinhadas de gente, não as reconhecia – ruas e gente. Estava com a impressão de ter arrimado a um lugar desconhecido.
Nada contra os lugares desconhecidos. Oxalá pudesse viajar mais para retirar muitos lugares do arcabouço do desconhecimento. A perplexidade de estar num sítio sem pertencer à moldura das memórias e sem saber como lá foi parar calibrava as interrogações que surgiam, férteis e repetidas. Que lugar era aquele? Como fora aqui parar? A falta de lembrança era sobre o conhecimento do lugar, ou sobre a viagem de que não se lembrava de ter empreendido? Estaria doente – uma amnésia, ou uma daquelas afeções temporárias que limpam a memória recente mercê de uma droga qualquer que lhe fora administrada sem ele saber?
Começou por sondar a geografia do lugar, a começar pelo começo primeiro: o idioma que ali se falava. Era ininteligível. Não conseguia reconhecer sequer os sons gatafunhados pelos habitantes daquele lugar. Nem ler o que estava escrito nos outdoors, nas ementas dos restaurantes, nos jornais afixados nos quiosques. Podia perguntar à primeira pessoa que passasse que lugar era aquele, nem que fosse por linguagem gestual (à falta de se entenderem num idioma comum). Um contumaz silêncio apoderou-se, porém. Não conseguia abrir a boca quando queria pronunciar palavras. Talvez fosse medo que o tomassem por louco, pois quem não sabe onde está padece desse mal (diz-se).
Procurou na toponímia pistas para o dilema. Em vão. As perguntas continuavam a contaminar o pensamento: como iria sair daquele lugar? Como haveria de regressar, se nem sequer se lembrava de como lá chegou? E a pior das perguntas existenciais (até então): qual era a sua terra? Achou-se nómada constante. Não se sabia de lugar algum. Nem conseguia tirar as medidas aos lugares por onde arrastava o corpo. Podia ser que todos os lugares tivessem perdido o nome. Podia ser que as pessoas vivessem em lugares diferentes sem saberem que havia uma pertença. Ninguém falava com ninguém. O silêncio assassino multiplicava os sinais de apoplexia, que sentia nas imediações de si mesmo.
Desdramatizou: só podia ser um pesadelo. O sono, quando levantasse a cancela, trataria de tirar a máscara ao pesadelo interminável. E se o sono fosse imorredoiro?

Sem comentários: