24.2.16

Sobre o mel das flores

Chairlift, “Amanaemonesia”, in https://www.youtube.com/watch?v=98XRKr19jIE
As neves frias do inverno deitam-se nas ramagens nuas das árvores e nos arbustos debulhados. Assentam delicadamente, acamando-se nos arbustos e nas árvores. Como se estivessem a pedir desculpa pela aflição cominada. Ninguém disse às neves invernais que não são uma engrenagem demoníaca na constelação dos elementos. Ele há crianças extasiadas com a neve e até adultos se perdem no enamoramento de um manto de alvura a atapetar a paisagem.
Além disso, diz-se que o frio conserva. O frio prepara os elementos para as estações vindouras, quando a hibernada natureza desabrochar ao sentir os primeiros dias soalheiros, a primeira temperatura amena. As raízes não sofrem a importunação da neve gelada que se deitou sobre as árvores e os arbustos. Aos flocos de gelo que se demoram, cristalizando-se, as raízes vão beber a água que precisam para o tirocínio da fertilidade na consagração da primavera. Uns tempos depois, quando a paisagem recuperar as cores não tomadas pela alvura do nevão, hão de medrar os primeiros rebentos de uma sementeira fértil.
As flores não querem ser madraças ao convite do tempo. Vicejam, coloridas e balsamadas, nas hastes das ramagens que irrompem ao convite do tempo propício. Abelhas de sentidos apurados ensaiam a sazonal coreografia. Abraçam as árvores floridas e os arbustos que exibem um mirífico colar de flores garridas. Alimentam-se nos pólenes que ostentam a erupção dos sentidos imanente à primavera. Mais tarde, hão de confecionar o mel que adocica. O mel timoneiro que empresta prazer aos sentidos emergentes. Os olhos impregnados de arroubos parecem guiados até ao mel das flores – ou, em sua falta, às flores que emprestam a matéria-prima ao mel que é predicado dos admiráveis sultões dos sentidos clareados.
Os sultões ensinam como apreciar, na medida bastante, os deleites do mel das flores. Convidam os demais a sentirem a voluptuosidade do mel segregado pelas abelhas. Das abelhas que arrotearam a orgia das almas retratada nos campos de flores em substituição da paisagem dos arbustos desossados. Na medida certa: pois como o mel quando vertido em doses demasiadas, o dulçor pode-se absolver de encantos por náusea causada por exagerado consumo. Descontando esta advertência, apetece deitar o corpo no untuoso mel das flores e deixá-lo ser o alívio que amacia a corpo, paredes-meias com a existência total.

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