Parquet Courts, “Pretty
Machines”, in https://www.youtube.com/watch?v=7GH7RfjLb1c
Era um lugar franco. Um lugar onde apetecia habitar. Havia
confiança. A bandeira da desconfiança não conseguia ser hasteada. Mal houvesse
um sinal de desconfiança, uns laivos de perfídia entre os cidadãos, uma força espontânea
tratava de desequipar a bandeira da desconfiança.
Os cidadãos tinham modos. Não era como naqueles lugares
preenchidos pelo odor fétido onde as pessoas arrabinadas poluem as ruas, onde a
boçalidade se tornou genética, onde até os manequins desfilam com cara de
poucos amigos. No lugar onde a cortesia era hino, os cidadãos tinham sempre um
sorriso a enfeitar o rosto quando interagiam com os outros. Dizia-se, com prova
documentada em estudos científicos fidedignos, que a cortesia a rodos era o esteio
da confiança. Que, por sua vez, era o esteio da grandeza daquele lugar. Podia não
ser o lugar com mais abastança, ou até o mais justo na distribuição da fortuna,
mas os valores materiais vinham numa segunda, ou terceira, ordem de grandeza.
Os cidadãos não suportavam arrogância. Nem a vanglória
dos pequenos de espírito que ostentavam o que julgavam ser a sua superioridade.
Mas até as dissidências eram tratadas com bondade. Não eram desertores, nem
apoucados pela dissidência. Quando alguém fazia notar a traição aos modos
corteses, a advertência não era feita com ar de reprovação. A cortesia
continuava a imperar. E a liberdade que vinha de par com ela, também: aos
dissidentes era lembrada a liberdade de o serem, esperando-se que não desfizessem
a cortesia que era o húmus dos cidadãos. Sem lhes ser mostrado que os corteses
eram os bons cidadãos e eles os maus cidadãos.
E assim se celebrava um pacto de não agressão. Reiterado
ao longo dos tempos. Havia reciprocidade no respeito. E reciprocidade na
liberdade de ser: os cidadãos corteses não queriam reeducar os sorumbáticos e
estes respeitavam a cortesia sem responder com agravos – era a sua particular
forma de serem corteses, sem exibirem a cortesia dos demais. A cortesia, com
direito a inscrição na Constituição, continuava a ser um modo de vida. Era assim
que as pessoas gostavam de comunicar, de existirem em conjunto. Era assim que
elas se julgavam plenas.
A cortesia continuaria a ser esteio. Sem ser preciso
defini-la em manuais nem ensinar a sua prática nas escolas.
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