29.2.16

Quimera

Einstürzende Neubauten, “Stella Maris”, in https://www.youtube.com/watch?v=dYmRnl_J9GI
Quero as coisas todas que quero. Na ilimitada ambição adestrada pelos limites das possibilidades. Mas quero-as, todas. Intensamente. Saber tê-las nas mãos, decifrar o seu código genético, extrair delas a seiva que consigam oferecer, a elas dar o ouro que trago em mim. Quero ler nas entrelinhas. Reler as palavras e não ceder à tentação de as tresler; ou, caso seja oportuno, procurar sentidos ocultos nos interstícios das palavras, revisitar a sua hermenêutica, redescobrir sentidos embaciados nas palavras; reinventar o mundo que é o chão dos meus pés. O que tiver de ser, no tempo que for alistado.
Quero saber que o conhecimento que interessa é o que procurei. E quero ter o desprendimento para saber que fora desse conhecimento há outro, muito maior, que irradia fulgor. Quero saber que hoje sei o que sei e que amanhã posso trazer das sombras da memória a curiosidade por um conhecimento que era anónimo, ontem. Quero ter as lentes necessárias para decantar as formas de conhecimento que julgar precisas. Para não cair na letargia.
Quero usar cortinas que não deixem aos forasteiros saberem quem sou. Ou: levantar uma nesga das cortinas, só a necessária à possível expiação de mim através das palavras que escrevo. Sem passar dessa medida. E quero usar cortinas em sentido contrário, para desembaciar os olhos e deitá-los ao conhecimento do mundo, das coisas que aprouver, dos lugares ditados por escolhas sem critério, das artes sumptuosas ou apenas diligentemente singelas, sem deixar para trás muitos oxalá em forma de arrependimento.
E quero, no púlpito de tudo isto, viver num êxtase total. Dar tudo a quem seja merecedor de mim. Não desviar a atenção para as matérias acessórias que são um atalho para lodaçais a precaver. Cobrir a aura do dia com os beijos apaixonados pela vida, pois sem assim ser não há critério para emprestar grandeza às pessoas e às palavras e às coisas a que me abraço. Quero querer. Em querendo com a fundura que vem da palpitação tremente, dos olhos tremeluzentes irradiando um apego pela vida e um medo pela sua antítese. Quero saber-me rei de mim mesmo na pequenez que sou perante a imensidão de gente e a imensidão maior de ar e de terra à volta. Sem que a grandeza seja sinónimo de máximos imaginados diante de um espelho, que as cortinas despejadas da frente dos olhos mandam tirar as medidas certas ao tamanho que sou.
E quero, contra a maré dos lugares-comuns, dizer que cobiço a perfeição. Pois não creio que haja quem erre por vontade própria, com o propósito de confirmar o lugar-comum das desvirtudes de si. Sem ter a espreitar, num espelho vítreo, uma figura narcísica, demoníaca, a povoar doses excessivas de indulgência.

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