12.2.16

Da irreverência

Mogwai, “Friend of the Night”, in https://www.youtube.com/watch?v=fZKVNJqpBPQ
Os mansos, que dormem sobre um vulcão e nem sentem o formigueiro, são gente demissionária. Aceitam com vagar histórias narradas pelos outros, mesmo quando um módico de desconfiança chegava para torcer o nariz por cheirar a patranha. Não ousam, os mansos, porque pisar o risco é quase uma sentença de morte a pender sobre a cabeça. Os mansos teriam a ganhar se aprendessem os rudimentos da irreverência. Ficariam maiores. Ficariam mais gente.
A irreverência, a irreverência metódica, pode ser um ardil. Quando em redor se respira um ambiente dormente, quando se é industriado a não colocar interrogações, sobretudo aos temas convencionados e aos costumes que são tidos por bons, ser irreverente pode ser uma piscina de contratempos. É malvisto desafiar o pensamento habitual. Nem que seja sem critério, apenas com o deleite de contestar os sofismas, os que vêm da escola e os mais caros à sociedade apaziguada – os sofismas que vêm à superfície como imperativos convenientes, num certo lugar e num certo tempo, com o selo presciente de engenheiros sociais.
Ser irreverente é um custo que, às vezes, visto de fora, parece difícil de suportar. Arrisca-se o ostracismo. Mas se o ostracismo for pena branda, ou até favor que fazem e a vítima se galanteie com o degredo, a irreverência é um lugar de culto, um método precioso. A vítima do degredo nem se considera vítima. Os irreverentes arrostam com o lastro do mau feitio. Tecem-se elucubrações metafóricas sobre os seus maus fígados. Se tais julgamentos servirem para manter a anemia da turba, e se a turba fizer questão em manter-se anémica, os irreverentes contentam-se por contribuírem para a paz de espírito de gente confinada às suas exíguas fronteiras.
A irreverência manda o pensamento lobrigar terrenos inexplorados. Manda os hábitos para a lama, hasteando os maus hábitos em militância. Não pactua com os lugares onde tudo é ordeiro, onde ninguém contesta os instalados, onde as pessoas têm medo de compor perguntas, onde o silêncio habilita a corrupção do pensamento. A irreverência desafia estes lugares-comuns. É uma sinfonia à grandeza das pessoas que se conseguem deslaçar das peias urdidas pelos donos das convenções. O mal do irreverente é que habita um certo niilismo. Se a sua irreverência se transformasse em novo lugar convencionado, o irreverente perdia o chão debaixo dos pés. Mal por mal, prefere continuar a ser irreverente. E insubmisso. E, se assim for preciso, niilista.

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