She Wants Revenge, “Tear
You Apart”, in https://www.youtube.com/watch?v=ixw_bLVUL34
Às vezes, tenho vergonha. Não tenho vergonha pelas vergonhas
dos outros, que esses padecimentos deixo para quem por eles passa. As vergonhas
que me acometem são uma dor torturante. Vergonha de coisas ditas. Vergonha de
coisas feitas. Vergonha por não caber numa estatura imune ao erro – e persisto
em não saber que a perfeição não quadra com a dimensão humana e, logo, o erro não
é matéria vã. Depois dos erros, daqueles que fazem um pacto com a vergonha,
sobra o arrependimento. É pela mão do arrependimento que a vergonha se hasteia
como a bandeira mais alta. A vergonha é uma dor sentida, porque apetece ser
pequeno, tão pequeno que a vergonha apenas seja vista por quem dela é sua vítima.
Pois a vergonha verificada pelos outros agrava a dor que por ela vem.
De outras vezes, a vergonha vem atrelada a preconceitos.
Se não fossem uma parede de que fruem incómodos sobressaltos, e se não
chegassem a preconceitos, não havia lugar a uma vergonha. Enquanto não houver
controlo das variáveis que comandam o comportamento, e enquanto não for dado
ser timoneiro do que é exterior, torna-se difícil domar os preconceitos. À mercê
dos preconceitos, o chão amadurece para a vergonha. Só o envergonhado dá conta
da vergonha; fora de si, mais ninguém a anota e, mesmo assim, ele cora de
vergonha, arrasta o corpo pelas vielas escuras em autoflagelação.
A vergonha é um embaraço. A antítese do narcisismo. Quando
estar dentro daquele corpo e daquele pensamento é – julga-se, em excessivo
diagnóstico – ser o pior ser que o mundo tem por conhecimento. Mas a vergonha é
um estado passageiro. O que serve para uma advertência: quanto mais seja o
tempo passado em banhos lodosos de vergonha, mais angústia rebenta dos poros a
colorir tudo com acanhamento. Na vergonha, fermenta um estado larvar de
autodestruição.
Que sobrem apenas as vergonhas observadas pela lente de outros,
se por acaso essa for uma lente com relevância e, por sua vez, emprestar relevância
à vergonha. Confirmando que a vergonha é um processo circular, que começa e
acaba em quem a ela se expõe, mas tem intermediário nos que forem dela
testemunhas. As outras vergonhas, as que nidificam na medula do ser e não têm
visibilidade para fora dele, que não sobejem para os padecimentos.
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