Julia Holter, “Silhouette”,
in https://www.youtube.com/watch?v=m8_ZWlOKsUQ
Há o esquecimento voluntário. Como se fosse preciso
lavar a alma inteira em águas álgidas e vir à superfície de alma nova. O
esquecimento que apetece. Propositado, só pode ser um esquecimento com lastro
em motivações. E quem nunca foi tentado por aluvião que passa por onde esteve o
passado e o branqueia? Como se esse hesterno nunca tivesse feito parte dos
pergaminhos do passado. O esquecimento em tais preparos convoca a astúcia de
redenominar o que estava arquivado no parapeito das memórias. A vontade congemina-se
para uma rendição em forma de esquecimento. Nesses preparos, frui um
esquecimento que desagua num palco faz-de-conta. Há quem se dê bem. E há outros
que não suportam as dores que uma consciência mal-amanhada esgravata desde o
fundo do ser.
Há o esquecimento involuntário. A distração metódica. O alheamento
das coisas, por tantas serem as que exigem atenção que a atenção não consegue ditar
olho em todas elas. É o esquecimento seletivo. Montada a memória em camadas,
umas por cima das outras, por vezes interpenetrando-se; em não havendo espaço
para albergar a nitidez de todas as memórias hasteadas, soerguem-se as que
jorram no critério da seleção. Não comandamos esses mecanismos. Ao contrário da
vontade que julgamos domar. Entre as várias camadas, adelgaçam-se as que bolçam
memórias mais antigas, ou memórias que a alma irrefreável aconselha a selecionar
para o escaninho das desmemórias.
Mas, depois, alguém trata de avivar com cal algumas
dessas memórias. Podemos tergiversar no recanto das rememorações, demorando a
tirar as medidas à provocação que vem de fora. Ou podemos entrar em estado de
negação, jurando a pés juntos que não passámos pelos acontecimentos resgatados
de outrora. Ou ainda podemos trocar os rudimentos da desmemória involuntária
pelo esquecimento intencional, entrando no engodo de um jogo de sombras. E ajuramentar
que não sabemos do que se trata, quando por dentro contamos às veias que
reconhecemos o palco em que nos colocam, sem que antes da convocação da memória
as artérias reconhecessem que tal sangue já fluiu nelas.
Há no esquecimento uma certa arte. Ardilosa ou não, mas arte.
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