Underworld, “I Exhale”, in https://www.youtube.com/watch?v=4izZYfo58-E
Dizem que os poetas têm sensibilidade diferente. Dizem
que são sábios na prestidigitação das palavras. Que obtêm, em forma de estrofe,
o sortilégio da musicalidade das palavras, ou a alquimia do poema perfeito.
Dizem que andam às avessas do mundo. Que caldeiam, com olhos de lince, o palco
do mundo. Dizem: que os poetas são intérpretes dos incomensuráveis encargos da
existência, traduzindo os sentimentos comuns em texto debruado a ouro.
O poeta, porém, anda no meio de toda a gente. É um, como
toda a gente. Come e dorme. Tem angústias. Alegrias (suponho, até os poetas que
se distinguiram na poesia dos pesares próprios). Tem as mesmas necessidades
fisiológicas. Adoece. Bebe álcool. Tem vícios privados (ou publicamente assumidos,
no caso de poetas peritos no desassombro). Tem dificuldades em manifestar
estados de alma, quando os mesmos pedem que se solte a palavra falada. Tem
preferências estéticas. Decerto, escorrega para as coisas mundanas. Tem frio. Fuma.
Vai à praia. Viaja – e, talvez, recolha matéria-prima abundante através da
mundividência das viagens. Cansa-se. Tem amigos (ou não). Ama, ou sofre
desamores (ou as duas circunstâncias, em momentos espaçados).
E tudo, tudo, serve para tirar as medidas a um poema. Desde
as coisas mundanas, aos sentimentos maiores. Pelos olhos que são dele. Ou por
interposta pessoa, escrevendo na terceira pessoa do singular, ou na primeira
pessoa do plural. No poeta fermenta um sangue interior que é diferente. Dir-se-á:
um sangue que alimenta a sensibilidade diferente, a sensibilidade em que medra
a poesia toda.
Os pés, é como se andassem nus sobre o chão, para melhor
se enraizarem nas coisas, nas palavras, nos sentidos que servem de tradução
para a poesia e que pulsam nos elementos. No sono, caução dos sonhos diversos,
bebe o poeta a inspiração dos poemas que saem do punho. Às vezes, um exercício
dilacerante. O poema parece arrancado a ferros da carne, derrama sangue que
incendeia o poema. De outras vezes, o poema é uma planície de flores
campestres, uma constelação de cores, uma orgia de aromas, o poeta embebido numa
profusão de sentidos criativos. E há, também, os poemas vindos do nada, de pequenos
nadas que se transfiguram em poemas ora singelos, ora grandiosos.
A carne do poeta é o carvão do poema. As mãos nunca
cansadas emolduram as estrofes com as palavras escolhidas a dedo, ou apenas com
as que soerguem ditadas pela pulsão semântica. A criação em estado puro. Uma gramática
singular. A singularidade da poesia, mesmo quando não é original.
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