Kiasmos, “Looped”, in https://www.youtube.com/watch?v=IC9gQLXQT8M
Tomamos a bondade entre as mãos para deixarmos que
outros a sintam. Olhamos de frente para as coisas iracundas e deixamos a
bondade depurá-las, para a noite se deitar no sossego próprio do sono
temperado.
Dizem que a bondade rareia. Dizem que mesmo quando alguém
lhe dá a mão é por oportunismo: muita bondade é feita com o propósito de fazer
recair sobre si mesmo as intenções da bondade. Mas não nos preocupemos. A bondade
não precisa de ser imorredoira. Nem precisa de ter calendário. Só importa a coreografia
dos sentidos, para que eles alimentem a convocatória da bondade. Pode ser
quando nos lembrarmos, apenas – e já é tanto! Pode ser porque naquele instante
houve uma pulsão irreprimível de combater a maré tempestuosa, ungindo bondade
com os dedos sufragados pela inquietação.
Dizem que a bondade se comanda para o exterior. Também está
certo. Mas não é tudo: talvez a bondade maior seja a cometida sobre o seu
mandante, tantas vezes somos fautores primeiros da antítese da bondade por
dentro de nós. Não é possível a bondade para fora do ser se ela não habitar
nele. É escusado passar como tribuno da longanimidade e supor que um
desprendimento maior nos mantém na senda da bondade exterior, se não soubermos
deitar o unguento da bondade sobre nós mesmos. Não adiantam as rezas, nem as
promessas com promessa de pródigas pagas, se não houver a adesão da bondade. Até
pode ser que a bondade seja amiúde uma janela de oportunidade, um pretexto para
chegar a outras recompensas – e ela perde a genuinidade (protesta-se).
De que adianta medir a bondade por uma escala? Ou
existe, ou está ausente. Sem meio termo. Se alguém é reconhecido pela bondade
de outrem, pouco interessa saber o incentivo que levou o bondoso a sê-lo. Pois se
há um proveito na bondade recebida, e se os proventos da bondade são
aproveitados para finalidade útil, o resto deixemos aos momentos tantos que são
interstícios da bondade. Quando dela, por vezes, sentimos a falta.
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