Air, “You Make it Easy”, in https://www.youtube.com/watch?v=CmsfIFzaCUY
I
Sombrios. E, todavia, repletos de uma luz estranha, uma
luz que incendeia o pensamento. Ninguém dá nada por estes dias. E, todavia,
reproduzem a mais elevada intensidade. Sem se saber porquê. Apenas porque sim. Uma
predisposição que derrota os embaciamentos que se propõem em cores cinzentas,
para arrebatar a luminosidade tímida, mas bela, heurística, que se depõe diante
do olhar.
II
Devastadores. Pontos anotados no calendário por uma
dimensão dramática. Dias pungentes, que enfeitiçam as cores e as levam a serem
plúmbeas. Tempo coalhado pelas lágrimas que lavam as consumições interiores. Por
um tempo inglório, talvez, em que a mágoa se abraça ao peito ferido.
III
Arrebatadores. O tempero doce sobre as manhãs salgadas. Uma
trave-mestra do pensamento que se desmorona – e o pensamento convocado a novas costuras.
Ou apenas um gesto de protesto contra os gurus da positividade da vida, aqueles
seres irritantemente sempre bem-dispostos, que transpiram felicidade sem que
ninguém tenha pedido para aspergirem os salpicos dessa felicidade para fora das
suas soberbas pessoas. Dias apenas para denunciar logros, porque não há maneira
de sermos todos invadidos pela felicidade perene, apesar das doutas lições de
tais gurus. Dias arrebatadores: por haver lucidez para temperar as cores que
acamam os dias que nos ungem, ardilosamente transformando complexidades em
coisas simples.
IV
Problemáticos. Na penumbra, entre dois segmentos de luz,
sem que se saiba o que traz proveito. Sobram interrogações. Sobrepõem-se umas às
outras, ao ritmo das hesitações que tiram as mordaças ao corpo. Problemáticos
os dias que destroem imperativos categóricos, altares morais, certezas
contundentes, conclusões iniludíveis. As dúvidas sistemáticas renovam a
paisagem oferecida ao pensamento. São o seu nutriente maior.
V
Repetíveis. Indistinguíveis. Iguais a tantos outros. Não
pertencem à moldura das memórias avivadas. A maioria do tempo. Não perdem estes
dias importância por serem deste calibre. São o húmus da vivência, o viveiro de
representações que configuram uma identidade. Aqueles dias que nem se dá por
eles. E, todavia, dias assim há em que, ao deitar, um sono sereno é o prémio
merecido.
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