Sigur Rós, “All Alright”,
in https://www.youtube.com/watch?v=kUvgg4mvmb0
Não havia nada que importunasse o
tempo. Não havia maneira de haver sombras a mestiçar o dia. Não havia forma de combinar
o negrume que agendava episódios com o tempo passante. Estava tudo bem. Sempre
tudo excessivamente bem. Com um sorriso espontâneo no rosto. Como uma forma de
ser que irradiava um estado de espírito positivo, um contagiante positivismo
que chegava para dissolver todos os pesares que pudessem meter-se à frente dos
olhos.
Havia sempre uma palavra afirmativa, sobretudo
naqueles momentos em que outros atravessavam as suas trevas. Era guardião do prontuário
das coisas estimáveis. Que houvesse gente a lembrar-se, ninguém o vira refém de
lamentos, ou mergulhado em melancolia, ou tributário de um arrependimento
esparso, ou com o rosto descosido do sorriso desarmante que era imagem de
marca. Ninguém testemunhara tais estados de alma. E, todavia, tamanha embriaguez
de positivismo fazia macerar a desconfiança.
Um dia, alguém perguntou se sabia o
que era a tristeza. Hesitou, demoradamente. Perplexo, parecia não saber o que
responder – ou parecia temer responder em coro com o sentido da interrogação. Noutro
dia, quase como se estivesse combinado com o anterior desconfiado, outro conhecido
perguntou se sabia estimar assim tanto as coisas positivas à volta dele se não
travou conhecimento com as coisas que são a sua antítese. Completou o raciocínio,
este interrogador: para dar valor a algo, é preciso saber o sabor do seu contrário.
Continuava a fugir das demandas
sobrepostas ao incómodo. Continuava a meter pelas vielas esconsas da negação. Preferia
mostrar a máscara do seu disfarce. Irradiar a exultação ardilosamente contagiada,
pois uma multidão inteira ficava boquiaberta (no sentido positivo do termo) ao
dar de caras com tanta positividade concentrada numa só pessoa, dias e dias
consecutivos, sem interrupção. Os desconfiados – e, note-se, ao mesmo tempo
confusos com a suposição de tamanha possibilidade, talvez até não escondendo um
naco de inveja – ditavam para a ata do desassossego a ardilosa condição
excessivamente positiva. Diziam: “não é
possível, pura e simplesmente não é possível ser sempre assim”. E admitiam
que, atrás de tanto logro, se barricasse a pessoa mais melancólica do mundo
inteiro.
Sem comentários:
Enviar um comentário