5.1.17

O desamor pela atualidade

Pond, “Zond”, in https://www.youtube.com/watch?v=HNnd-gl_U4w
- Por que deixaste de escrever sobre os assuntos atuais? Por que não interessam as notícias dos jornais ao ponto de sobre elas dizeres nada? Ficaste insensível ao que se passa à tua volta?
- Não. Continuo atento ao mundo e às voltas que ele dá.
- Explica-me, então: por que hibernaste para o mundo e te refugiaste numa caverna onde não têm entrada os assuntos atuais?
- Talvez porque a atualidade deixou de pertencer às prioridades. Talvez porque esteja cansado do mundo e das voltas que ele dá. Talvez por sentir, a certa altura, que as voltas do mundo tiravam anos de vida. Talvez porque dantes levava o mundo muito a sério, o que também tirava anos de vida.
- Não sei se te diga: acho que eras mais interessante quando dispunhas sobre as vicissitudes do mundo.
- É uma opinião. Como não escrevo para audiências, prefiro escrever sobre o que me habilita o bem-estar. Prefiro ter a escolha de virar as costas ao que causava cansaço. Posso não ser feliz na escolha dos assuntos, no virar as costas à atualidade, talvez até nas fórmulas ensaiadas para escrever sobre o (dantes) improvável.
- Não te interrogas sobre o que escreves?
- Sim. Com frequência. A escrita continua a ser um exercício terapêutico. Uma não capitulação à letargia de outro modo instalada.
- E interrogas-te por que caminhos outros poderá ir a escrita?
- Não posso fugir a essa interrogação. É o exercício mais difícil. Às vezes, não é fácil saber sobre o que escrever. Admito que, nessas ocasiões, fosse preferível dar primazia ao silêncio. Como sou teimoso, e como estou convencido que a terapia da escrita não deve ter rendição, insisto. Posso estar errado. Enquanto não o admitir, não mudo as intenções.
- Não admites, uma ou outra vez, comentar a atualidade?
- Não. Tenho, neste momento, um tremendo desamor pela atualidade. Não há utilidade em gastar palavras sobre os temas atuais. Deixo-os percorrer o seu sentido, desde o meu posto de observador exterior, sem perder a atenção e o fio à meada.
- É uma posição cética que explica a tua demissão da atualidade?
- Pelo contrário. É a procura pela positividade que outras coisas me trazem ao regaço.

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