4.1.17

Esteios

Nicolas Jaar, “Time For Us” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=FLKpiyBGtt8
Sob as rugas das folhas decadentes votadas à sua fatal sorte. No mais fundo do húmus. No mais fundo dos rios, até daqueles disfarçados por uma garganta que empareda duas margens que se escondem do céu. Resguardados das intempéries que vierem a ser, até das mais devastadoras. A coberto da servidão do tempo e do seu desgaste. Os esteios. As fundações estruturais. Os lapsos que enlaçam as intermitências avulsas, formando um contínuo. Como se houvesse serventia para pontes que caucionam o abraço entre duas margens separadas pelo artificialismo de um precipício. (Considerando que o precipício foi ali colocado para fazer uma divisão que, de outro modo, não existiria.)
Um esteio secular, intemporal, se preciso for. Um esteio que é esteio de outro esteio, que por sua vez serve de ancoradouro a esteios outros que se entrelaçam num todo, inteiro. Para não haver lugar a pesadelos que teimem em sua tenacidade; os pesadelos, existirão com a regularidade de sempre: sob a proteção de esteios, os pesadelos não passam de matéria onírica sem consubstanciação, não passam de ameaças que apenas têm o condão de importunar o sono.
Os esteios não servem para desmentir as facetas negras que embaciam o chão que se pisa. Servem como cais onde o corpo se ampara quando o chão se armadilha e o corpo pode ser atraiçoado pelo chão que resvala. Os esteios são unipessoais. Não há esteios na forma de pessoas – muito menos uma pessoa pode ser tida como esteio de outrem. Pois os esteios supõem uma matéria que transcende a natureza frágil dos homens. São coriáceas armaduras, matéria à prova de bala, feitos de substâncias ímpares em sua rigidez, indestrutíveis. Perenes, na efemeridade do suserano do esteio.
Não se conhecem formas visíveis dos esteios. Sentem-se no exato momento em que forem convocados para resguardar um corpo do naufrágio possível. Não são sucedâneos de divindades, apesar da sua aparente impassibilidade perante possíveis fragilidades que os possam apoquentar: sendo idiossincrasias, pertencem ao domínio do indivíduo. O que chega para negar a sua condição deificada, que não passa de um disfarce. Os esteios servem de amuleto para o caminho que houver para fazer.

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