Ty Segall, “Where Your Head
Goes”, in https://www.youtube.com/watch?v=7tYycv0P3BE
Termos da perfeição adiados, por
manifesta impossibilidade. As águas soltas do dia não deixam que o perfume da
perfeição seja deitado no corpo. E, todavia, não vem grande mal ao mundo – nem o
corpo se lamenta por causa da impossibilidade. Sejam desestimadas as acusações
de obra por fazer, porque não houve intenção de a terminar, ou apenas por falta
de capacidade para findar a empreitada.
- “Não sei se são dores minhas”, proclamou com assertividade. “Nem sei se posso ser réu de tamanha acusação.
As coisas ficam pela metade sem ser por um acaso, ou porque intencionalmente as
congemino para ficarem a meio do caminho. Há circunstâncias supervenientes. Há
mudanças de cenário. Ou apenas a vontade que se afina por um cânone que passa a
ser diferente. É excessivo dizer-se que sou perito em deixar as coisas pela metade.”
Que inaudita importunação, a de
outros quererem ser juízes de obra alheia (ou da falta dela), de sobre outros
quererem fazer juízos de valor. Até parece que toda a obra feita é um exercício
de perfeição. Até nem parece que o que mais abunda são coisas inacabadas. Contudo,
persistem estes tribunais sumários presididos por juízes sem qualificação, a não
ser a de que eles próprios se acham investidos. Ouve-se dizer, e com toda a propriedade,
que os que alvitram sobre a existência que não é sua vivem assoberbados pela
existência que é própria. Talvez sejam os piores pergaminhos para se constituírem,
de mote próprio, juízes das ações dos outros.
- “Seja como for, quanta da que se acha obra feita não é um produto que
ficou pela metade? Quantas cortinas se erguem sobre o olhar coletivo e uma obra
que ficou a meio do caminho se entretece no olhar definitivo de uma obra feita?
É tudo tão provisório, tudo tão volátil, que não faz sentido descer a ira dos
deuses sobre os que vêm acusados de deixarem as coisas pela metade. Talvez o
sublime atrevimento seja este: o de deixar as coisas pela metade, ou por volta
disso.
Oxalá
as obras cunhadas só fossem objeto de julgamento dos próprios autores. Poupavam-se
determinações espúrias que fazem descer a vergonha sobre quem as dita. O
espelho da contrafação arremete contra os algozes que se propõem vestir uma
toga puída. Fossem usados os critérios destes putativos juízes, a sua toga era
o exemplo acabado de uma obra malparida (o que é pior, numa escala de danos, do
que uma obra que ficou pela metade).
Sem comentários:
Enviar um comentário