Bonobo (ft. Rhye), “Break
Apart”, in https://www.youtube.com/watch?v=vhhkk69CxXc
À medida da empreitada atual, aqueles
eram preparos pueris. Era como se fosse preciso trepar a vedação para chegar ao
outro lado da linha por onde passava o comboio. Tarefa proibida, se não fosse
feita através da passagem de nível – e quando a cancela estivesse desembainhada.
Os corajosos não teriam tais preparos: ousariam avançar sem hesitação, que o
tempo foge por entre os dedos.
Pensava nisto enquanto, de olhos
fechados e com o motor do carro desligado, esperava pela sua vez à frente da
passagem de nível. A composição estava atrasada. Já se passara tanto tempo que,
não tardava, os olhos encerrados dariam lugar a um módico de sono. Podia ser
que caísse no sono e que viessem curtos, mas retemperadores, sonhos. Ou aquela
impressão extravagante, em plena véspera do sono – ou talvez já dentro do
primeiro ato do sono – quando se soerguem pensamentos que não fazem sentido,
palavras retiradas do contexto, pessoas que não têm existência tangível. Paisagens
oníricas que, quando são interrompidas por um ruído exterior, revelam que o
risco do sono esteve a ser pisado e um dos pés já tinha sido atirado para
dentro dele (sono).
O silêncio continuava a imperar. Não havia
sinal do comboio e a passagem de nível continuava a travar o trânsito. Um homem
apressado, acabado de chegar de bicicleta, não quis testar a paciência. Olhou para
ambos os lados e, em não havendo sinal de comboios, montou na bicicleta e
ensaiou pedaladas firmes. Do outro lado, a idosa que estava no carro
imediatamente atrás da passagem de nível acenou em tom de reprovação. Tartamudeou
umas palavras – adivinhou: seriam para admoestar o afoito ciclista, não tivesse
o homem ido à sua vida.
A passagem de nível precata as
pessoas de serem apanhadas em falso pelo comboio. (Era o momento do lugar-comum
do dia, talvez a ressonância sono que arranhava as pálpebras.) Havia ali
comboios que passavam a alta velocidade. Dizia-se, a quase duzentos quilómetros/hora.
A essa velocidade, as distâncias entre a composição e o lugar onde se está são
sempre ardilosas. Mandavam as convenções: mais vale a distância de segurança e
encerrar as cancelas com antecedência. Nem que fosse só para conferir razão à
senhora idosa que continuava com ares de poucos amigos a reprovar a manobra do
ciclista intrépido que tinha ido à sua vida.
Tarde, o comboio acabou por passar. As
ignições dos automóveis silvaram na exata medida da impaciência de quem esperou
tanto tempo. Assim que passaram os primeiros carros, começou a troar a sirene
que pré-avisava a chegada próxima de outro comboio e, portanto, o próximo
fechamento da passagem de nível.
Estava um trânsito danado de
comboios, àquela hora. Valia-nos a passagem de nível, a companhia de seguros
dos transeuntes que quisessem passar de um lado para o outro da linha de
comboio.
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