Dead Can Dance, “Yulunga”,
in https://www.youtube.com/watch?v=2ZpXPwmbQvc
- Coisa que tenho por
segura, é que tudo o que disseres, mesmo que seja escrito nas palavras que eu não
entendo, é para mim lei de bronze.
- Talvez se entenda por tal uma apreciável manifestação
de confiança de que não me julgo credora.
- Não te subestimes. Nem
a mim: se tal to digo, não é para aceitares como elogio às qualidades que te
tenho por inatas. Sendo factual, não merece desmentido.
- Jogo no campo das hipóteses. Só posso admitir que
pecas por excesso. No juízo da generosidade que te faz proclamar tais palavras.
- Se queres, também
posso dar um passo nesse mesmo tabuleiro, o das hipóteses contrastadas: sou
fiel das minhas tremendas incapacidades e preciso de alguém que seja meu esteio.
Como verás, não é matéria típica de generosidade alguma.
- Dizes-me, nessa medida, que palavras tão simpáticas que
me endereças são instrumentais, um modo de alívio de dores por causa das
limitações que te consomem?
- Sim, confesso a minha
dupla improcedência. Não só lamento o nanismo interior em que me debato, como
te encomendo a empreitada ingrata de seres minha cautela.
- Não sei se estou à altura.
- Por favor, aceita que
estás talhada para apadrinhar tão desgraçada alma.
- Ou: não sei se quero estar à altura.
- Desiludes-me com esse
laivo de amor-próprio, como se parte do amor-próprio não passasse pelo
desprendimento de si, pelo abraçar do outro que tenha tamanho merecimento, em
tal alma penando pelos corredores imundos do despautério.
- Não compreendes a minha posição. Receio que esteja
impreparada para estar à altura da empreitada. E temo que me encomendes a
responsabilidade dos teus malogros.
- Não é essa a
serventia que espero do gentil apadrinhamento. Só peço um cais onde possa
repousar o dorso arqueado quando não for bastante o almaço da minha fortaleza,
da frágil fortaleza em que vacilo, e precisar de alguém confiável, alguém com bússola
bonançosa, com ouvido para os meus pesares.
- Julgas que podes confiar nos meus conselhos?
- Não é desse valimento
que espera. Dessa empreitada te livro, se for preciso para apaziguar da
encomenda de que te encarrego. Em ti peço as meças de uma boa ouvidora. E de
alguém que tenha a lucidez para esboçar as perguntas que têm o lugar certo.
- Alivias-me de pesares, em assim sendo. Combinado.
Podes contar com as minhas infusões, se continuares a considerar (e enquanto
disso for caso) que elas são merecedoras de tais encómios.
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