18.1.17

Chá de tília


Dead Can Dance, “Yulunga”, in https://www.youtube.com/watch?v=2ZpXPwmbQvc    
- Coisa que tenho por segura, é que tudo o que disseres, mesmo que seja escrito nas palavras que eu não entendo, é para mim lei de bronze.
- Talvez se entenda por tal uma apreciável manifestação de confiança de que não me julgo credora.
- Não te subestimes. Nem a mim: se tal to digo, não é para aceitares como elogio às qualidades que te tenho por inatas. Sendo factual, não merece desmentido.
- Jogo no campo das hipóteses. Só posso admitir que pecas por excesso. No juízo da generosidade que te faz proclamar tais palavras.
- Se queres, também posso dar um passo nesse mesmo tabuleiro, o das hipóteses contrastadas: sou fiel das minhas tremendas incapacidades e preciso de alguém que seja meu esteio. Como verás, não é matéria típica de generosidade alguma.
- Dizes-me, nessa medida, que palavras tão simpáticas que me endereças são instrumentais, um modo de alívio de dores por causa das limitações que te consomem?
- Sim, confesso a minha dupla improcedência. Não só lamento o nanismo interior em que me debato, como te encomendo a empreitada ingrata de seres minha cautela.
- Não sei se estou à altura.
- Por favor, aceita que estás talhada para apadrinhar tão desgraçada alma.
- Ou: não sei se quero estar à altura.
- Desiludes-me com esse laivo de amor-próprio, como se parte do amor-próprio não passasse pelo desprendimento de si, pelo abraçar do outro que tenha tamanho merecimento, em tal alma penando pelos corredores imundos do despautério.
- Não compreendes a minha posição. Receio que esteja impreparada para estar à altura da empreitada. E temo que me encomendes a responsabilidade dos teus malogros.
- Não é essa a serventia que espero do gentil apadrinhamento. Só peço um cais onde possa repousar o dorso arqueado quando não for bastante o almaço da minha fortaleza, da frágil fortaleza em que vacilo, e precisar de alguém confiável, alguém com bússola bonançosa, com ouvido para os meus pesares.
- Julgas que podes confiar nos meus conselhos?
- Não é desse valimento que espera. Dessa empreitada te livro, se for preciso para apaziguar da encomenda de que te encarrego. Em ti peço as meças de uma boa ouvidora. E de alguém que tenha a lucidez para esboçar as perguntas que têm o lugar certo.
- Alivias-me de pesares, em assim sendo. Combinado. Podes contar com as minhas infusões, se continuares a considerar (e enquanto disso for caso) que elas são merecedoras de tais encómios.

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