24.1.17

No dia em que fecharam as portas do tempo


Indignu, “Mar do Norte”, in https://www.youtube.com/watch?v=rI0sEwvlvBo    
As nuvens deixaram de passar. As pessoas deixaram de passar. Os telefones não funcionavam. A televisão não produzia sinal. A luz não passava o umbral do tempo. O tempo deixou de pesar.
As pessoas olhavam para os relógios e os ponteiros tinham-se rendido a uma certa medida do tempo (onze horas e dezassete minutos). Ouvia-se dizer que alguém, senhor de muito poder, conseguira fechar as portas do tempo. Ao menos, ainda se conseguia ouvir dizer tal coisa, por entre o marasmo que açambarcava a vontade das pessoas, condenadas a serem estátuas no esvaziamento do tempo. Mas as pessoas continuavam a ser. Sentiam. Entre o muito que continuavam a sentir, sabiam que o tempo estava inerte. Mortiço. Nem sequer subia à boca de cena o fumo transpirado pelas lareiras, ou os vapores que fugiam das águas em contacto com a temperatura álgida. Estava tudo deserto. As pessoas remetidas ao lar, em forma de refúgio. Apesar de amordaçadas pela letargia, as pessoas começaram a perguntar se o encerrar da porta do tempo era o fim dos mundos. Não havia sinal do fim dos mundos. O paradoxo excruciante era este: tudo parecia em demorada hibernação, a constar pelo congelamento dos ponteiros de todos os relógios, mas as pessoas continuavam a sentir, a pensar, a existir, a falar umas com as outras na exata medida do que a distância caucionava.
Alguém ofereceu uma hipótese: se calhar, abriu-se uma nova dimensão do tempo dentro do tempo. Seria como se o tempo de outrora tivesse entrado em decadência, atirado à sua inutilidade. E, por dentro da sua porta encerrada, se abrisse um postigo por onde medrava o novo tempo. As pessoas que espreitassem pelo postigo. Que experimentassem o tempo paralelo que se abria de par em par à medida que perdessem o medo e se metessem por dentro deste novo tempo que rompia da letargia. Afinal, havia sempre um tempo para fazer a contagem das coisas. Um tempo em posse das pessoas. Elas ficariam acordadas por tempos a fio até descobrirem o fio condutor do novo tempo. Até apreciarem, com as suas capacidades intactas, a medida do novo tempo e em que medida era diferente do tempo que fora encerrado.
Afinal, não era conspiração. Nem o fim dos mundos. Era apenas a reinvenção do tempo, exposto a uma nova escala e a uma nova maturidade.

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