Indignu, “Mar do Norte”, in
https://www.youtube.com/watch?v=rI0sEwvlvBo
As nuvens deixaram de passar. As
pessoas deixaram de passar. Os telefones não funcionavam. A televisão não produzia
sinal. A luz não passava o umbral do tempo. O tempo deixou de pesar.
As pessoas olhavam para os relógios e
os ponteiros tinham-se rendido a uma certa medida do tempo (onze horas e
dezassete minutos). Ouvia-se dizer que alguém, senhor de muito poder,
conseguira fechar as portas do tempo. Ao menos, ainda se conseguia ouvir dizer
tal coisa, por entre o marasmo que açambarcava a vontade das pessoas,
condenadas a serem estátuas no esvaziamento do tempo. Mas as pessoas
continuavam a ser. Sentiam. Entre o muito que continuavam a sentir, sabiam que
o tempo estava inerte. Mortiço. Nem sequer subia à boca de cena o fumo
transpirado pelas lareiras, ou os vapores que fugiam das águas em contacto com
a temperatura álgida. Estava tudo deserto. As pessoas remetidas ao lar, em
forma de refúgio. Apesar de amordaçadas pela letargia, as pessoas começaram a
perguntar se o encerrar da porta do tempo era o fim dos mundos. Não havia sinal
do fim dos mundos. O paradoxo excruciante era este: tudo parecia em demorada
hibernação, a constar pelo congelamento dos ponteiros de todos os relógios, mas
as pessoas continuavam a sentir, a pensar, a existir, a falar umas com as
outras na exata medida do que a distância caucionava.
Alguém ofereceu uma hipótese: se
calhar, abriu-se uma nova dimensão do tempo dentro do tempo. Seria como se o
tempo de outrora tivesse entrado em decadência, atirado à sua inutilidade. E,
por dentro da sua porta encerrada, se abrisse um postigo por onde medrava o
novo tempo. As pessoas que espreitassem pelo postigo. Que experimentassem o
tempo paralelo que se abria de par em par à medida que perdessem o medo e se
metessem por dentro deste novo tempo que rompia da letargia. Afinal, havia
sempre um tempo para fazer a contagem das coisas. Um tempo em posse das
pessoas. Elas ficariam acordadas por tempos a fio até descobrirem o fio
condutor do novo tempo. Até apreciarem, com as suas capacidades intactas, a
medida do novo tempo e em que medida era diferente do tempo que fora encerrado.
Afinal, não era conspiração. Nem o
fim dos mundos. Era apenas a reinvenção do tempo, exposto a uma nova escala e a
uma nova maturidade.
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