Teho Teardo & Blixa
Bargeld, “Ich Bin Dabei”, in https://www.youtube.com/watch?v=GKZl81lZTmI
O céu range os dentes, tal o estrepitoso
troar que parece emanar das suas entranhas. Alguns clarões acendem-se na
penumbra total, traduzindo uma centelha luminar que quer avisar da efemeridade
da penumbra. Nem tudo é da cor das coisas malditas. Um coalescer matinal faz-se
esperar, sem que a claridade fique à espera do seu tempo. Demora-se tanto a
tempestade iridescente, que o olhar tardio, o olhar desipotecado pela insónia,
está em êxtase com a cornucópia de efeitos luminosos que do céu irradiam.
É tudo pela metódica recusa da
evidente normalidade. Tudo pelo estreito canal onde se revogam os malefícios
habitualmente conotados com as coisas tidas como más. As coisas têm o seu avesso.
Às vezes, estão escondidas no avesso. Não admira que as pessoas fiquem
perplexas quando o avesso das coisas se revela, desmentindo o olhar
compenetrado que as desestima.
Por isso, as pessoas mudam de impressão
quando esbarram na antinomia da habitualidade. Talvez cresçam quando não
esperassem por um qualquer laivo de madurez. Talvez isto queira significar que
somos sempre portas abertas por onde têm entrada as inesperadas consequências
dos avessos. Não adianta meter grilhos às portas, que o caudal abundante das
coisas no seu avesso trata de as esventrar. E depois, entre o aturdido e o
assoberbado, depois de mudados os ferrolhos das portas, as pessoas admitem as
cores inusuais, as combinações improváveis de palavras, um mundo novo à espera
de ser experimentado.
Corrompidas as traves do
arrependimento, ensacadas as baias onde tinha provimento o hálito conservador,
o tempo por diante é penhor de uma demanda constante. As páginas preenchem-se
com palavras arrancadas ao estertor, com palavras que dantes seriam impossíveis,
palavras produto de um parto penoso. As pessoas vestem-se do avesso que
desconheciam. Até intuírem, tempos depois, que o avesso se tornou bitola
exacerbada e que precisam de se reinventar por dentro de um novo avesso que
vier a ser desembainhado.
Sem a demanda permanente, sobra a
acomodada febre que serve de fermento à inércia. A demanda irreprimível é o
luto que derrota a inércia. Um luto muito apreciado por estes lugares.
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