Trentemøller,
“Never Fade”, in https://www.youtube.com/watch?v=qg9lTXNYFZ4
Onde estão os constituintes da alma, o cais enraizado onde
as mãos se agarram, as profundezas que são a cor pura da alma, a carne e o osso
sem adereços, o poço tão fundo de onde se soerguem os nutrientes maiores? Onde
se encontra a mais pura essência de tudo, o que não pode ser contaminado, as
palavras peregrinas, o estado de alma em perfeita serenidade? Podemos ser uma
versão despojada de emaranhados lamentos e pesares, desligada das telas mentais
passadas, sem a obsolescência do tempo futuro?
Em
carne e osso, talvez. Sem as sucessivas camadas de verniz que denotam os
fingimentos que, sucessivamente, se abraçam à pele. Podemos medir a espessura da
carne e do osso? Temos medidas calibradas para o efeito? Talvez as sucessivas
camadas de fingimento sejam um obstáculo; talvez já nem seja possível saber
quem se é, se não a manta de retalhos sistematicamente edificada sobre as
sucessivas camadas de verniz que recauchutaram a carne e o osso. E, nessa
medida, talvez a carne e o osso sejam longínquos miradouros, a certa altura
inacessíveis. Porventura, um oásis. Ou nem tanto: pois se a adulteração não
corresponder a uma adulteração em sentido literal e for apenas o produto da
madurez que se pespega, indagar pela carne e pelo osso, como matérias fungíveis
da pureza, é uma cilada.
Dirão:
o verniz que se entesoura com o tempo que passa é uma adulteração, pois embacia
a carne e o osso, que sofrem uma transfiguração. Não interessa. A pureza reclamada
é uma invisível camada que deixou de ser tangível. É uma inutilidade. A carne e
o osso que importam são os que estão à mostra, nem que sejam uma transitória
fachada pronta a ser substituída por outra que venha a preceito.
Ninguém tem um oráculo à distância
das mãos. Não podemos saber se alguém diante de nós medra numa adulteração de si
mesmo. Temos apenas a pessoa diante de nós. A carne e o osso visíveis. A carne
e o osso que contam para a contabilidade das almas.
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