27.1.05

Deve o Estado subsidiar o sexo seguro?

Os economistas são criaturas esquisitas. Vivem num mundo cheio de cercas, o que os incapacita de fazer a ponte com outros conhecimentos. Acreditam que podem isolar certos aspectos da vida real, como se tudo funcionasse num laboratório estanque a outras influências que têm origem numa coisa simples e imprevisível – a acção humana. Com o advento da matematização da economia, a ciência desumanizou-se. É um círculo restrito para efabulações mil, como se tudo se reduzisse ao poder explicativo dos números.

Para minha surpresa, tomei conhecimento de um livro escrito por Steven Landsburg, com o título “More Sex is Safer Sex”. Vou tentar resumir as ideias principais. O autor utiliza os ensinamentos da economia e apresenta uma proposta para controlar a epidemia de SIDA. No entender de Landsburg, o Estado devia subsidiar as pessoas “sexualmente conservadoras”, aquelas que têm parceiro sexual certo e que não são dadas a escapadelas extra-matrimoniais. Este é o tipo de pessoas que, em teoria, corre menos riscos de contrair a doença. Se forem premiadas pela monogamia, pode ser a solução para inverter a tendência que testemunha uma ascensão vertiginosa da doença. Landsburg propõe que as pessoas cadastradas como “sexualmente conservadoras” que apresentem preservativos (supõe-se que usados…) recebam do Estado um prémio monetário por contribuírem para a diminuição de casos de risco. O autor não entra em detalhes sobre quem deve ser responsável pela atribuição do subsídio: se as farmácias (depois reembolsadas pelo Estado), ou se um qualquer departamento do ministério da saúde, ou se não teria que ser criado um ministério insólito – o ministério para os bons costumes…

Vou passar ao lado da lógica mecanicista de Landsburg – a crença de que os males que nos cercam são resolvidos pela intervenção milagrosa do Estado. Vale a pena dedicar alguma atenção à proposta. Primeiro, para tentar perceber o raciocínio do autor. Depois para tentar avaliar se os pressupostos são funcionais, pois de outro modo ela esbarra no obstáculo da impossibilidade.

Para Landsburg, as pessoas que se mantêm fiéis aos ditames da monogamia não correm riscos de infecção. Têm hábitos “salutares”, não saltando de parceiro em parceiro. Para evitar que elas se percam pelos descaminhos da tentação libidinosa, devem ser premiadas pelo sexo seguro. E quanto mais praticado for, maior é a compensação. Landsburg pressagia, com razão, que um homem atreito a casos extra-conjugais é um foco de disseminação da doença: arrisca no escuro e pode contagiar a parceira habitual. Adivinha-se: a educação moralista a atingir os píncaros como etapa preparatória deste esquema ardiloso. De contrário, como combater a tendência crescente de facadinhas no matrimónio que são ou não consentidas, dependendo da relação ser ou não vanguardista?

Mas Landsburg falha nos alicerces. Como seria possível provar a proveniência dos preservativos apresentados por um qualquer garanhão de serviço? A única opção, dirão os mais entusiasmados com a ideia, um atestado da parceira regular, certificando que aquele preservativo foi usado consigo. E não há lugar aos artifícios? Em países que se dedicam a usar a imaginação para ludibriar o próximo, aposto que só as empresas que fabricam preservativos ficavam a lucrar, sem qualquer visibilidade na diminuição da incidência da SIDA.

Imagine-se que esta solução era aproveitada pelo partido que ganhar as próximas eleições. Num país repleto de espertalhões, as filas à porta das farmácias para obter a recompensa pelo feito heróico dariam estórias mirabolantes. Muitos homenzarrões seriam dados a conhecer, com a sua capacidade vertiginosa para gastar preservativos. Adivinho uma competição entre machos que aproveitariam para aliar o útil ao agradável: na competição dos argumentos marialvas, saíram vencedores aqueles que arrecadassem o maior quinhão do prémio monetário. O nirvana masculino: homens pagos pelas prolíferas competências sexuais!

À escala doméstica, dois importantes óbices. Primeiro, o “malfadado” limite para o défice orçamental. Com a corda à garganta, os cofres públicos seriam esvaziados na proporção das pseudo-façanhas sexuais dos lusitanos machos. Segundo, num país onde o negócio da prostituição é um sucesso, desconfio que a medida seria paradisíaca para os empresários do sector – e ainda mais um filão para as profissionais do ramo.

Assim se vê o mundo fantasioso em que permanecem encerrados os economistas. Landsburg deve viver num mundo à parte, crente na boa vontade dos homens, ciente de que não há forma do primeiro dos humanos partir para a arte do engano, ludibriando os outros e enchendo-se de bem-estar à custa disso. A ingenuidade acomete os que teimam em viver com os pés bem distantes do chão. E deixa-os numa embriaguez sem sentido: não percebem que esta solução exigia mais intrusão do Estado na vida de todos nós, e discriminação entre os sexualmente elegíveis para o subsídio e os que preferem “saltar de ramo em ramo”.

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