20.1.05

Patética – a estirpe de Nuno Cardoso

Um minuto e trinta segundos, disse o jornalista. O tempo que demorou a comunicação lida por Nuno Cardoso, após ter sido implicado em negócios escuros com o FC Porto que terão lesado o erário municipal em três milhões de euros. Ao fim de um longo minuto e meio de palavreado inconsequente, o engenheiro ainda conseguiu arrebatar uns tímidos aplausos de alguns leais apaniguados que foram convocados para fazer companhia aos jornalistas. Para os que acham que este senhor é um equívoco na política, este foi um episódio para reforçar convicções.

Em vez de se defender das acusações, o engenheiro demonstrou queda para argumentista de filmes fantasmagóricos de quinta categoria. Esboçou cenários incríveis, levando a palma a correligionários que no passado se distinguiram na arte da teoria da cabala. Imperturbável na sua imbecilidade, o engenheiro revelou inconfidências: está a ser vítima de uma cabala política. Pior ainda, o governo manipulou a Polícia Judiciária no momento certo, agora que a campanha eleitoral vai entrar no seu auge. Será um arranjinho para desviar as atenções, para enlamear o seu excelso nome e prejudicar as expectativas eleitorais do seu partido. Há quem não tenha noção do ridículo!

O engenheiro devia ter enveredado pela arquitectura. Os cenários que teceu são tão imaginativos que daria, decerto, um excelente arquitecto. Teria enriquecido ao rivalizar com Siza Vieira e colegas, e ter-nos-ia poupado à lamentável figura que faz como (eterno) aprendiz de político. Tudo se resume a uma sequência de acontecimentos: ele lidera, de longe, as sondagens para as eleições autárquicas; tudo indica que venha a derrotar o actual presidente da câmara; este é amigo do peito do ministro da justiça, que por sua vez é o número um das listas de candidatos ao parlamento pelo Porto; este, por sua vez, pressionou para afastar das listas um suserano do tribalismo azul-e-branco, atirando mais achas para a fogueira da inimizade entre o presidente da câmara e o clube mais representativo da cidade. Cardoso é apanhado no meio deste fogo, segundo a sua teoria conspirativa. Para ser atingido pessoalmente, e para arrastar o “bom-nome” do seu partido no mesmo barco.

Se era necessário uma confissão assinada de como os políticos contemplam a hipótese de interferir com a justiça, o engenheiro lavrou a sua assinatura com caneta de ouro. Foi incapaz de perceber que as acusações que faz se voltam contra ele próprio: ao acusar os outros de manipulação na investigação policial, acaba por confessar que se fosse poder não hesitaria em proceder da mesma forma. Revelador!

A decência devia aconselhar quem aconselha os políticos a evitar estas figuras tristes. Pela parte que me toca, que sempre vi em Cardoso um equívoco que só rivaliza com a sua estatura, o acontecimento fez-me soltar sonoras gargalhadas. A desorientação é tanta que o engenheiro sugeriu que se podia refugiar na imunidade que a inclusão nas listas de candidatos a deputados lhe confere. Ficámos a saber que a imunidade parlamentar começa a funcionar a partir do momento em que alguém é candidato a deputado. Ou seja, antes de assumir as funções (se é que as vai assumir), já a mão generosa da imunidade parlamentar se aplica. Há ocasiões em que uma pessoa ganha mais em estar calada…

Este pato-bravo da política é um exemplo acabado de inabilidade. Representa o arrivismo, exibe a plumagem da mediocridade – e de como ela é premiada pela sociedade bafienta que somos. Após a declaração assombrada que leu, o engenheiro já teria sido enquistado pelo seu partido, caso este fosse um partido normal, caso este fosse um país normal.

Não estranha que nada disto venha a suceder. Exemplo da esperteza saloia que é o papel timbrado da política rasteira, colou-se ao FC Porto e à eminência parda que o lidera. Sabe que este estratagema é como o código postal – mais que meio caminho andado para regressar ao cadeirão do poder na Avenida dos Aliados. Não espantará que uma grande parte do eleitorado, ferido pela cegueira clubista, escolha o abstruso engenheiro para permitir que as coisas voltem à normalidade: que o Papa volte a exercer a sua magistratura de influência.

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