5.1.05

Dívidas ao fisco vão justificar escutas telefónicas

Para quem acusa este governo de se deixar “contaminar” pelo “tenebroso neoliberalismo”, a proposta descoberta há dias revela o contrário. Alguém tirou da cartola a hipótese de colocar sob escuta telefónica quem seja apanhado nas malhas do fisco. Já não bastava o levantamento do sigilo bancário, regra de ouro que alicerça a confidencialidade que é um esteio do negócio bancário (e da confiança que os clientes têm nos bancos onde depositam o seu dinheiro); já não bastava o Estado poder deduzir processos contra quem faltou ao pagamento de impostos com base em movimentações bancárias suspeitas; agora temos uma medida que vai para além dos limites da razoabilidade. É a lei da selva: vale tudo para combater a ignominiosa fraude fiscal.

O que está em causa é a desproporção de meios quando um qualquer burocrata decidiu estender as escutas ao gravíssimo crime de não pagar impostos. Aqui devo fazer uma declaração de interesses: sou contra os impostos. Considero-os uma invasão inadmissível na riqueza gerada por cada indivíduo. Não é o preço da civilização, ou da vida em colectividade, como alguns supõem em defesa dos impostos. É apenas um meio de subtrair riqueza, como se todos fôssemos (e somos) obrigados a trabalho comunitário. Como tenho alergia a todos os deveres sem possibilidade de dissidência, vejo os impostos como algo deplorável. Tenho inveja de quem consegue fugir aos impostos. Não vejo na evasão fiscal uma manobra de pura irresponsabilidade, um escape às obrigações que todos devemos assumir perante a sociedade.

É neste contexto que a ideia de fazer escutas telefónicas aos infractores fiscais me causa repulsa. No fundo, os devedores de impostos são equiparados a outros criminosos de delitos maiores. Parece que os devedores ao fisco cometem o mesmo pecado de traficantes de droga, de suspeitos de crimes de colarinho branco, ou de outro tipo de criminalidade que dá origem a penas de prisão de duração considerável. Quando as sanções são bem diferentes. Por maior que seja o esquecimento voluntário do (não) pagamento de impostos, a pena de prisão nunca se assemelha ao tempo que passam na cadeia os acusados de crimes maiores.

Daí a desproporção da medida, um absurdo inexplicável. Melhor dito: a única explicação possível passa pelo desespero que o Estado mostra em conseguir controlar as contas públicas. Escaldados pela meta dos 3% do défice orçamental, os governos têm que puxar da imaginação para não cair em incumprimento. Por comodismo, em vez de se cortar a eito nas despesas, a cura milagrosa está sempre do lado das receitas. Quando toca a encontrar as receitas para evitar défices excessivos, só resta penalizar o contribuinte. Neste caso, rapar o fundo do tacho, encontrando as migalhas que resultam do pagamento dos impostos em falta.

Tenho pena de não poder ser um garboso incumpridor de obrigações fiscais. Se conseguisse ter este estatuto, muito me custaria ser colocado no mesmo saco de Pintos da Costa, Valentins Loureiros, Paulos Pedrosos, Jorges Rito e quejandos. Até porque é duvidoso que quem não paga impostos confesse essa falta em conversas telefónicas. Quando o crime não tem comparação, e se usam os mesmos mecanismos para o combater, o desespero expõe a falta de credibilidade do Estado.

O que acaba por não ser má notícia: um Estado desautorizado é caminho para menos Estado. Por mais que os iluminados burocratas que o servem se esforcem em engordar a visibilidade do Estado e a sua intrusão na vida dos cidadãos.

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