14.1.05

O corpo feminino, objecto?

No ginásio está sintonizado um canal de televisão que só passa telediscos. Por coincidência ou não, à hora que lá vou passa uma sequência de telediscos que põem em destaque a beleza do corpo feminino. São corpos de mulheres que desfilam com o mínimo de roupa indispensável. Corpos que percorrem o ecrã em câmara lenta, para se apreciarem as curvas delgadas que despertam as hormonas masculinas. A música que acompanha as imagens é um simples adereço.

Um destes dias a minha monitora, uma jovem brasileira, insurgiu-se contra o aproveitamento do corpo feminino. Disse de sua justiça contra a banalização da mulher que se mostra sem preconceitos, fazendo as delícias dos homens. Protestou contra a “coisificação” da mulher quando o seu corpo se desnuda com uma facilidade que faz esquecer o mito do pecado original. Isto aconteceu num dia em que passavam imagens deveras atraentes, que prendiam meia dúzia de marmanjos ao ecrã, num intervalo entre dois exercícios físicos. Talvez por ter reparado no imbecil embevecimento dos comparsas de ocasião (entre os quais o escriba se inseria), ela não conseguiu calar a sua revolta.

As imagens que enchiam as vistas eram de mulheres esbeltas que se mostravam de forma provocatória numa praia. O ambiente lembrava as praias das Caraíbas, com as suas areias finas e brancas e a água do mar de um azul-turquesa esplendoroso. As imagens da idílica paisagem entrecortavam a passerelle de corpos femininos que se sucediam, biquinis reduzidos à mínima expressão, poses provocantes, olhares penetrantes em jeito de desafio. Os olhos masculinos não podiam ficar indiferentes. Tanto que por momentos nos tínhamos esquecido do objectivo de frequentar um ginásio…

A voz de protesto da brasileira ecoou nos nossos ouvidos. Alguns desmobilizaram, assobiando para o ar. Já não me recordo com exactidão qual foi o comentário que ela fez. Sei que, com a espontaneidade de um elefante que se passeia, desajeitado, numa loja de porcelanas, retorqui: “pois, então no Brasil é que isto é mais evidente”. O que fui dizer! Esquecendo-me por momentos de que ela era brasileira, e que tinha acabado de vociferar contra o aproveitamento do corpo feminino, aquelas palavras foram as mais inoportunas. Por delicadeza, escusou-se a responder ao meu comentário. Mas não escapei a um olhar de indignação disparado em minha direcção.

Será verdade que estamos num tempo em que a desvergonha impera levando à transformação do corpo feminino numa coisa? Será o reflexo da materialização da mulher, como se ela fosse cada vez mais um objecto? Francamente, não me apetece contribuir para este peditório tão caro às feministas empedernidas. Apetece apenas dizer isto: o corpo feminino é mais belo que o corpo masculino. É natural que haja mais “mercado” para o acto de desnudar corpos femininos. Será que os espécimes que mostram os atributos que a mãe natureza generosamente lhes dotou foram forçadas a desfilar num estado próximo daquele em que vieram ao mundo? Será a nova forma de escravatura – estendendo conceitos para além do razoável, como está tanto na moda?

Poderão dizer-me que o dinheiro consegue tudo. Perante a necessidade há mulheres que não hesitam em mostrar ao mundo a beleza dos seus corpos. Por mais aviltante que o dinheiro seja rotulado, há um aspecto que está por cima dessa apreciação ética: o livre arbítrio de quem aceita posar para as câmaras, para deleite dos homens que não resistem ao encanto de um corpo feminino.

Não sei se será coincidência: em regra, a indignação contra a ideia de corpo feminino como objecto vem daquelas que carregam o fardo de celulite, das que deixaram perdido algures no passado a beleza do corpo, das que nunca foram bafejadas pela generosidade divina da estética da sensualidade, das que nunca poderiam ser convocadas para desfilar do desnudamento dos corpos, das intelectuais que se perdem em minudências para esconder frustrações íntimas, das feministas militantes, das que carecem de vitamina P. Peso na consciência, ou pura dor de cotovelo?

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