A tecnologia, diz-se, está ao serviço do Homem. Os seus avanços são uma ode ao bem-estar humano. Inventaram os elevadores para nos cansarmos menos ao subir e descer prédios que irrompem rumo ao céu, poupando ao desgaste os lanços de escadas. Inventaram escadas rolantes e passadiços que levitam o passeante durante um percurso em aeroportos, para descanso dos fatigados músculos das pernas. Inventaram varinhas mágicas e batedeiras para as lides da cozinha serem mais rápidas, um contributo para a menor consumição das donas de casa (assumindo que elas são as maiores consumidoras destes electrodomésticos). Enfim, até as persianas das casas modernas já dispensam o esforço físico dos proprietários – sobem e descem com o toque num interruptor.
Estamos mais sedentários. As maravilhas da técnica são um tónico para o descanso do Homem moderno. A electrotécnica mudou a forma de viver. Damos menos trabalho aos músculos, no que teria sido pensado como estímulo ao bem-estar físico. E, no entanto, a afogueada forma de viver a vida moderna faz com que as pessoas cheguem ao fim do dia extenuadas. Os músculos, que agora muito menos trabalham, permanecem num estado calamitoso. Um paradoxo.
Talvez o paradoxo se desvende em duas penadas. Desabituados de exercitar músculos, eles vão mirrando, estão menos preparados para os esforços que ainda vão sendo exigidos. Mexemos menos as pernas – e, por arrasto, desabituamos o coração. Ou porque andamos nos elevadores para subir um andar, ou porque temos escadas rolantes em vez das esconsas escadas de degraus, ou porque nos fazemos ao automóvel para percorrer umas centenas de metros. Entregamos os músculos ao estado de letargia. E ressentimo-nos do mínimo esforço que vá para além do sedentarismo que se apoderou de nós.
Os que se entregam aos delírios da teoria da conspiração encontram pano para mangas na relação entre a elevada tecnologia e o sedentarismo traiçoeiro. Dirão que se trata de uma conspiração do abominável capitalismo contra a saúde das pessoas, um atentado contra o Estado social. Pois o sedentarismo a que as pessoas se entregam, extasiadas no isco venenoso das maravilhas da tecnologia, traz-lhes doenças amiúde. É o preço da inactividade física: deixam-se levar pela ilusão de que nada fazer é sinónimo de bem-estar, quando a indolência semeia as doenças – e o arrependimento.
É o corpo que paga, o espírito que sofre. Com a sua extrema generosidade, sempre aberto a compensar os cidadãos pelas prolongadas paragens devidas a doença, ou a indemnizá-los quando a doença incapacita, o Estado social encaminha-se para a falência. Cá está a dimensão conspiradora: é uma perversa aliança entre os oligarcas do capital espalhados pelo mundo. As grandes empresas que investem rios de dinheiro para legar às pessoas o ilusório bem-estar dos avanços da tecnologia são culpadas pelo definhamento do Estado social. Não esquecer que o hediondo capital foi autorizado a entrar no negócio dos seguros de saúde, dos planos poupança-reforma – entrando, aos poucos, em competição com os produtos que tradicionalmente são fornecidos pelo Estado social.
A maquinação está à vista do observador mais desatento. É o maldito capital que corrói por dentro as estruturas do Estado social. Vai pelas entranhas das pessoas quando as convida a cair no alçapão das maravilhas tecnológicas. É uma cenoura venenosa: germina as doenças típicas do sedentarismo, consome os recursos do Estado social quando ele é chamado a pagar avantajadas compensações aos muitos que se deixaram seduzir pelo traiçoeiro sedentarismo.
E assim fica provado: o capital faz mal à saúde das pessoas. Quando usado em excesso, aprisiona uma larga maioria aos patamares da alienação. Quando estas pessoas acreditam que o consumismo desenfreado lhes faz bem, mal sabem que a prazo estão a cavar a cova de onde não se hão-de levantar. Para gáudio dos malfadados capitalistas, que enchem os bolsos à custa das maleitas alheias. O lucro exige o sedentarismo militante. Quanto menos se mexerem, mais o capital sem escrúpulos cresce exponencialmente. Estes truques de ilusionismo barato dos capitalistas têm que ser denunciados. Vítimas de todo o mundo, uni-vos na denúncia!