E quando se pensava que o homem estava no remanso da sua reforma dourada, ainda teve força para mais um combate – decerto o último. Daquele sector jorrou uma exultação contida. O entusiasmo não é comparável à vaga de fundo que o acompanhou em tempos idos. Soa a falsete. Nem entre os militantes há um apoio unânime. A sua entrada em cena é um acto desesperado, apenas com o fito de impedir que a sebastiânica figura do quadrante rival ocupe o cargo. Para esta gente, o cargo é coutada dos seus. Heresia maior, se viesse a ser detido por alguém que vem de outras paragens. Estranha forma de sentir a democracia. Por detrás da tolerância eleitoral, uma (mal) escondida capa de intolerância anda à solta.
O patriarca, ressuscitado para o derradeiro combate, já se mostrou no seu pior. Espezinhando quem aparecer pela frente como estorvo. O candidato já orou, regurgitando a sua sapiência que não pode merecer a mínima contestação. Não é coisa de agora. É alguém que foi investido de uma sapiência divina, acima de qualquer suspeita. Quantas vezes o disparate se soltou daquela boca, sem que alguém ousasse denunciar a asneira? Agora surge como o salvador. Promete que será um osso duro de roer, um degrau difícil que o adversário que ainda o não é terá que escalar. Será o rival mais difícil de vencer, logo garantia que a sinecura não vai ser oferecida de bandeja ao algarvio que surgir da bruma.
O patriarca também tem a sua faceta sebastiânica. É uma figura sebastiânica contra o sebastianismo pedante que ameaça levar o cargo para o outro lado da barricada. Convém-lhe a máscara providencial. Para arregimentar fiéis e outros não tão entusiasmados, mas que se amedrontam com a possibilidade do adversário vencer a contenda.
Vai ser uma eleição enfadonha. Há a excitação dos comentadores, que nem dormem só de pensar na iguaria de excelência que será o combate entre dois dos maiores protagonistas do passado. Mas é esse o problema: figuras do passado. E se hoje nos auto-punimos pelo atraso em que continuamos mergulhados, o atraso em muito se deve a que não teve a capacidade para, no passado, de lá nos retirar. Uma eleição sem esperança: pela irrelevância da sinecura; pelo regresso aos pecadilhos do passado. Um desesperançado devir, estivesse o porvir do país nas mãos desta eleição.
Uma eleição pela negativa. De um lado e do outro, eleitores vão votar como arma de arremesso que impeça alguém de vencer o combate. Não há-de ser um voto de primeira escolha, antes um voto negativo, um voto contra o outro de quem não se gosta. No rescaldo, o vencedor há-de surgir como “o presidente de todos os portugueses”. Na doce ilusão de que o é, acreditando estar sancionado pelo voto de uma maioria que é, contudo, uma minoria no universo dos que têm direito a voto.
Dizia o outro – o renegado – que não há homens providenciais. Tem razão. Há os que insistem em olhar para o lado e fazer de conta que não. E toda uma turba, a quem a força das conveniências faz alinhar pelo mesmo diapasão, reescreve uma história que ilude o mais ingénuo dos votantes. Vende-se-lhe a ideia de que há mesmo homens providenciais, cercados por uma aura sobre-humana que resolve problemas cuja resolução não está ao alcance do comum dos mortais.
É aqui que a retórica entra com os seus truques: o homem providencial já sentenciou que a sua candidatura tem o objectivo de unir todos os portugueses. Todos os portugueses. Quererá isto dizer que “todos os portugueses” têm que votar no senador vitalício? Dispensem-se as eleições, pois. A vitória está-lhe prometida, na ridícula pretensão de achar que a providencial máscara é um culto a que nenhum cidadão pode escapar. Os desalinhados, essas escassas ovelhas ranhosas, não contam. Há que as votar ao degredo intelectual, elas que impedem o unanimismo fácil e a entronização real de um republicano com tiques monárquicos.
Não fosse adversário do voto negativo, não tivesse um odiozinho de estimação pelo oponente do homem providencial, e pensava duas vezes em votar no seu adversário, só para ter o prazer supremo de contribuir para a derrota do patriarca. A recusa do voto negativo fará de mim – sem surpresa – outra vez abstencionista.
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