20.9.05

Os conservadores não gostam dos STCP

É só novidades: as filas para os autocarros inverteram o sentido; os passes sociais têm uma tipologia diferente; até a numeração dos autocarros sofreu mudanças radicais. Transformações que rompem com hábitos consolidados, o que semeia a perturbação nos utentes tão acostumados a um certo ritual quando utilizam os autocarros urbanos do Porto.

As mudanças trazem o aroma da modernização. Já antes os STCP inovaram ao espalhar pelas paragens postos electrónicos que informam sobre o tempo que o autocarro demora. Maravilhas do GPS. Em vez da incerteza de quanto tempo penar enquanto o autocarro tarda, o utente tem uma informação preciosa. Se o placar electrónico lhe diz que o autocarro ainda demora um bom punhado de minutos, há tempo para comprar o jornal, levantar dinheiro da caixa Multibanco, tomar o café da manhã. E se acaso a paragem não dispõe destes painéis, pode-se enviar um SMS com o código da paragem e o número do autocarro, que logo de seguida se recebe no telemóvel uma mensagem com a indicação do tempo de espera previsível.

As mudanças espelham sinais do tempo. Modernização de um serviço, imperativa, quando se deseja melhorar a qualidade do serviço. Imperativo que se reveste de maior importância quando as ideias dos ambientalistas ecoam junto de mais e mais pessoas – deixar o carro estacionado na garagem, ir para o trabalho de transportes públicos. Para que a qualidade da atmosfera não se degrade mais.

Os conservadores serão pouco dados às virtudes do avanço tecnológico. Não lhes dão a atenção que a inovação reclama. Pior será a sua reacção a outras modernices que nada têm a ver com faculdades da tecnologia. Questionam a inversão do sentido das filas nas paragens, o porquê da mudança radical nos passes, mostram-se descontentes com a mudança da numeração que vai obrigar a uma reordenação mental que leva o seu tempo.

Os STCP esforçaram-se por explicar as mudanças de rumo, com a pedagogia ao seu alcance. Tentaram justificar porque faz mais sentido formar filas no sentido contrário ao que as pessoas estavam habituadas. Para reforçar a componente pedagógica, espalharam pelas paragens da cidade peugadas pintadas a cores vivas indicando a ordem por que se devem formar as filas. A mudança dos passes deve ser uma operação de cosmética, exigências de racionalidade administrativa. Sacrificam o utente, que não compreende o que tem a ganhar com esta transformação. A numeração dos autocarros, imitação de práticas disseminadas Europa fora, na europeização necessária do país periférico.

Paro para pensar: há quanto tempo não apanho um autocarro? Nem me recordo, tanto o tempo que já passou. Percebo que os transportes públicos são um serviço crucial para o bom andamento de uma cidade. Para as pessoas que não têm possibilidade de possuir transporte próprio, para as que optam por deixar o veículo particular em casa. É o meio que as leva até ao trabalho. Quanto melhor o serviço, maior a predisposição para o trabalho, maior a produtividade – satisfazendo os oráculos que vêm na produtividade nacional a saída para o estado comatoso a que estamos aprisionados. Os utentes são atreitos às travessuras do conservadorismo. Os hábitos enraizados, um esteio da rotina maquinal que leva estas pessoas de casa ao trabalho, de regresso a casa pelo final do dia. A rotina não se compadece com mudanças do género.

Quem é conservador desta forma – os que o assumem, e os que o são sem saberem – há-de pensar que os STCP são inimigo da rotina que deles se apodera. Para eles, os STCP são uma irrequieta imagem que atormenta os hábitos instalados, que os força a readquirir novos hábitos. São rivais da mudança, olhada com desconfiança. Emparedados entre o comodismo dos hábitos e a indolência mental, estes conservadores são o antónimo da mudança. Não percebem um serviço sublime que os STCP lhes presta: étimo de mudança de hábitos, num refazer de costumes que exige disponibilidade mental. Força-os a romper com os hábitos adquiridos, numa leva de ar fresco que, de resto, vem semear novas rotinas.

Que estes conservadores não se preocupem. A adaptação leva o seu tempo. Mas depois sedimentam-se os hábitos que são percursores de um novo conservadorismo que há-de vingar. Nunca os abandona, esta forma conservadora e rotineira de ser.

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