Não tenho procuração de Cavaco. Nem um grama de simpatia pelo algarvio. E, contudo, ao ouvir as desesperadas palavras de alguns obtusos socialistas que sentem que o patriarca Soares vai encerrar a carreira política com uma derrota, apetece-me votar Cavaco. Asseguro-me, por imperativo de higiene mental, que não o farei. Mas confesso que é grande a tentação ao ouvir as patetices de geriátricas figuras do universo PS.
Desta vez a fava calhou a Almeida Santos – outra “reserva moral” da república, fossem os dizeres socialistas verdades incontestáveis (aprazível imagem no mundo criado na cabeça de Jorge Coelho…). Escolheu a convenção autárquica para dissertar sobre eleições presidenciais. Como é bom de ver, enganou-se no local para afinar a língua sobre a eleição que se encaminha para a derrota. Sem nomear o “inimigo”, num discurso cheio de referências indirectas. Como de costume, verve de tribuno à velha maneira dos republicanos do início do século XX, num anacronismo que cansa. Truques argumentativos de um lado para o outro, para chegar à comparação entre Cavaco e Salazar – porque, para Almeida Santos, ambos depreciam os partidos, essas emanações máximas da democracia.
(Reparei, com interesse, numa omissão – ainda estou para saber se apenas distraída, ou por complacência que muito significado terá – de comentadores e comunicação social em geral. Ninguém disse que Almeida Santos se enganou no fórum para largar a chibata sobre Cavaco. Pois se era verdade que em Coimbra os camaradas cor-de-rosa estavam reunidos para arregimentar fidelidades para as eleições autárquicas, só uma confusão própria de quem raia a esclerose explicará que este “decano do regime” tenha discursado sobre as eleições erradas. Ou então a confusão naquelas cabeças é tão grande que tudo vale. Até – e sobretudo – iludir os pobres eleitores, esses incautos que com tanta facilidade caem na esparrela. Omissões que muito dizem da caridade com que o PS é tratado pela imprensa).
Almeida Santos podia desmascarar Cavaco com um simples gesto. Em vez de fazer a colagem de Cavaco a Salazar – muito conveniente, para esbracejar o fantasma do “fascismo” que une as esquerdas quando há que vasculhar fantasmas no bafiento armário das velharias – bastava lembrar que Cavaco já liderou um partido durante mais de dez anos. E que Cavaco só avança quando tiver a certeza que a máquina laranja está com ele. Isto era suficiente para colar Cavaco ao rótulo de mentiroso oportunista, que se tenta aproveitar do desgaste dos partidos como estratégia que é a rampa de lançamento da sua candidatura.
Almeida Santos preferiu pisar terrenos pantanosos – comparar Cavaco a Salazar, só se for por ambos terem sido professores de finanças. E depois veio em defesa da honra de uma dama ofendida que nunca, mas nunca, pode ser melindrada, ou não caia sob os acusadores o epíteto de anti-democratas. Almeida Santos acha que os partidos são a essência da democracia. Sem eles, esboroam-se os alicerces da democracia.
Esquece-se Almeida Santos que os partidos são responsáveis pela transformação do regime. Uma democracia travestida em partidocracia. E quando enaltece a “salutar vivência democrática” dentro dos partidos, está a enganar apenas os que desconhecem os caciquismos vários em que os partidos são especialistas – tráficos de influências, favores que se pagam mais tarde, contagem de espingardas de concelhias e distritais, “jotas” e estruturas que representam sindicatos, para fazer chegar ao cadeirão do poder ao figurão que, no momento, é o mais conveniente.
Os Almeidas Santos que por aí andam ainda não perceberam que eles são os primeiros responsáveis pelo descrédito do regime. São os algozes de uma democracia desacreditada – e só os que insistem em desvalorizar o significado das elevadas taxas de abstenção é que não percebem isto. Os Almeidas Santos são os velhos do Restelo da partidocracia dominante, a tralha do regime. Pena que as gerações de políticos que estão na linha de sucessão sejam mais do mesmo, mas achas para uma decrépita fogueira em que a desonestidade intelectual (outra vez a comparação entre Cavaco e Salazar como exemplo) é a marca de água da representação dos eleitores que continuam a gostar de ser enganados através do voto.
1 comentário:
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