Convenções sociais enraizadas. É difícil desprendermo-nos delas. Hábitos que sedimentam a educação que recebemos – educação no seu contexto mais vasto, resíduo da socialização forçada, o que se aprende na escola, na convivência com os outros que nos rodeiam, na escola ou fora dela. Um espartilho que manieta a autonomia individual. Sufocados pelo “deve ser” imposto pelos padrões da socialização forçada, afinamos pelo diapasão ou arriscamos a ser a nota dissonante. Com os dissabores que se adivinham.
O marialvismo ainda se distingue nesta sociedade que se demora a desprender dos laivos campesinos. O saloismo imperante tece o plano instável de uma relação desequilibrada quando duas pessoas do mesmo sexo se relacionam. Um código de conduta: se o homem quer conquistar alguém, é a ele que incumbe dar o primeiro passo. Ela pode estar embeiçada por ele mas convém-lhe ficar estática, ansiosa pela arremetida final, pela estocada fatal. E se as coisas acaso se passam ao contrário, mandam os costumes dizer que a mulher é uma doidivanas, uma leviana que ousou romper com os hábitos estabelecidos.
Estranhos comportamentos. Haverá excepções, decerto. As feministas de lapela – as que não levarem o feminismo ao extremo de tanto gostarem de mulheres que se tornam lésbicas – não terão paciência para ficar à espera da iniciativa de um homem hesitante. Substituem-se-lhes, na iniciativa tardia. Mulheres que conseguiram romper com os hábitos que vêm das suas antepassadas – as “mulheres modernas” – fogem da letargia feminina a que a formatação educativa as moldou. Também elas não têm a paciência para esperar. Ironicamente, continua a haver másculas figuras que se abespinham quando a iniciativa se muda para o lado feminino. É o suficiente para se afastarem, para cultivarem a desconfiança acerca da “seriedade” da conquistada. Quanto mais não seja, porque foram eles os conquistados. Suprema heresia: serem conquistados significa a inversão de papéis. O que, para estas figuras marialvas, se lê como uma subordinação à mulher que os acabou de conquistar.
Tudo isto está errado. Do lado dos homens que continuam agarrados a estes hábitos absurdos. E do lado das mulheres que anunciam, com vozes desbragadas, que querem deixar de estar sitiadas pelo sufoco da dominação masculina. Pelo que toca aos exemplares masculinos, digo que faz bem ao ego saber que fomos conquistados. Qual é o problema do passo fatal ter sido dado por elas? É recompensador estar sossegado no canto, a fazer contas à vida, e de repente ser apanhado na rede por uma mulher que despertou antes para o mundo da atracção.
E se me dizem, ainda presos ao estigma da educação marialva, que as mulheres que ousam avançar sem esperar pela iniciativa do tímido pretendente são levianas, contraponho: porque motivo uma relação a dois, que se quer equilibrada em direitos e deveres, há-de ser enviesada à partida pela necessária superioridade do homem? É arrepiar caminho para esse desequilíbrio. É ignorar que o desejo não é um exclusivo masculino. Um esconso caminho de castração dos instintos femininos.
Desenganem-se os que lêem nestas palavras um assomo de feminismo. Em boa verdade, são palavras interessadas – diria mesmo, interesseiras. Ser conquistado é um bálsamo para o ego masculino. Acusar-me-ão de ser egocêntrico ao defender este ponto de vista. Acuso a recepção da reprimenda. Sem que esse egocentrismo possa ser confundido com egoísmo, ou a relação a dois desencaminha-se para um desequilíbrio de estatutos que não é salutar.
Nota final para as mulheres que persistem em cimentar a superioridade masculina quando ficam, imóveis, à espera da iniciativa do homem. São elas que, com mais ou menos alarido, protestam contra a desigualdade de sexos. Quando chega a hora de romperem com o marasmo estabelecido, tendo a oportunidade de inverter papéis sem esperarem pelo avanço do homem, paralisam-se de medo, tolhidas pelos fantasmas da socialização forçada. E perdem uma oportunidade para remar contra esta maré estupidamente máscula, herança de uma sociedade que gosta de tourear bravios bovinos, como parece que gosta de ver nas mulheres toiros que entram na faena para serem dominadas pela estocada varonil. Elas entregam-se nesta modorra que é o alçapão da sua dependência.
Mulheres deste país, emancipem-se de vez!
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